sexta-feira, janeiro 14, 2011

Incomunicabilidade em banda larga no filme “A Rede Social”

"A Rede Social" é mais do que um filme sobre a história do Facebook: é sobre as consequência da virtualização das relações humanas. O filme explora o paradoxo de como a incomunicabilidade pode definir uma geração que, como nenhuma outra, teve em suas mãos tantas mídias e ferramentas de comunicação.

O diretor David Fincher já havia nos brindado com o filme “O Clube da Luta” nos anos 90 centrado na personalidade dividida de um executivo yuppie, incapaz de se comunicar com o mundo exterior e diluindo sua ansiedade por meio do consumismo e da violência ao arrebentar a cara dos outros no Clube da Luta, irmandade marcial underground do qual aos poucos vai perdendo o controle até se transformar numa gigantesca rede terrorista.

“A Rede Social” (“The Social Network”, 2010) desenvolve um tema muito semelhante. 



Um jovem nerd de Havard (Mark Zuckenberg, interpretado por Jesse Eisenberg), gênio em algoritmos e linguagem de programação, com uma grande dificuldade em se comunicar e estabelecer uma rede de relacionamentos, desconta sua ansiedade difamando pessoas em um blog enquanto tem uma ideia divertida, pelo seu ponto de vista: um jogo com as fotos de todas as moças da universidade para que as pessoas possam escolher qual a mais bonita.

Dessa ideia vai surgir o Facebook que, de rede de relacionamentos de alguns campi universitários nos EUA, cresce até atingir outros continentes. Pela sua incomunicabilidade em relações humanas, perde a noção das tramas de interesses e dos inimigos que vai acumulando ao longo do caminho na medida em que o projeto cresce empresarialmente.

“A Rede Social” é muito mais do que um filme sobre a história do site Facebook e relacionamentos humanos. É sobre a virtualização dos relacionamentos humanos e do perfil da geração desse início de século por trás da idealização de sites de relacionamentos como o Facebook.

Por um lado, apresenta o paradoxo da incomunicabilidade numa geração que, como nenhuma outra, teve à sua disposição tamanha variedade de mídias e ferramentas de comunicação. E a ambígua mentalidade de uma geração anti-corporativa (atitude herdada dos seus pais “baby boomers” da contracultura dos anos 60 e 70), defensores de comunidades virtuais livres de censura ou restrições e, ao mesmo tempo, defensores da ideologia de mercado competitiva e dos valores conservadores neoliberais da especulação financeira.

Capazes de apresentar um cartão de visita onde se lê “Sou CEO, sua puta!”, ter uma atitude arrogantemente punk diante de investidores e, ao mesmo tempo, travar acirradas batalhas judiciais ao melhor estilo do jogo pesado de empresas gigantes como a Microsoft.

A Classe Virtual e a Ideologia Californiana

Para entender esse paradoxo da incomunicabilidade em ambientes altamente midiatizados como os atuais, temos que colocar o contexto social que o filme “A Rede Social” apresenta para essa questão: a ascensão da chamada “classe virtual”.

O filme divide claramente duas locações geográficas distintas: a Costa Leste (Nova York), onde está o mundo das finanças, dos anunciantes, do mundo bruto da grana onde nada é bacana. E a Costa Oeste (San Francisco/Vale do Silício) onde “tudo está acontecendo, as conexões, a energia... tudo está se movendo mais rápido que cada um de nós”, como afirma o protagonista, tentando convencer o seu diretor financeiro a deixar de procurar anunciantes caretas e embarcar nos “angelicais” investimentos das empresas do Oeste americano.

O filme é sobre uma geração da chamada elite virtual, uma classe constituída:
“pela tecno-intelligentsia dos cientistas da cognição, engenheiros, cientistas da computação, criadores de jogos eletrônicos e todos os outros especialistas em comunicação..." (KROKER, Arthur, WEINSTEIN, Michael A. Data Trash: the theory of the virtual class. Montreal: New World Perspectives, p. 15, 1994).
Na verdade Mark Zuckenberg, o criador do Facebook, é um representante da segunda geração desse classe virtual. A geração de Steve Jobs e Bill Gates já representava a chamada “ideologia Californiana” surgida no movimento de contracultura dos anos 60 (uma peculiar leitura Zen-Taoísta de um misticismo da natureza, um renascimento dos mitos da Terra e do elogio dos seus ciclos naturais, combinados com um socialismo cristão, mitos comunais e, paradoxalmente, combinado com o impulso transcendentalista das viagens alucinógenas, utopias tecnológicas libertárias combinado com o liberalismo econômico de mercado).

A construção dos PCs nos anos 70 como desafio libertário aos gigantescos mainframes corporativos trazia, dentro desse propósito, toda essa ideologia. É o exemplo de gigantes como a Microsoft, com um discurso messiânico da expansão das mentes, liberdade de informação na Internet combinado com práticas clássicas de monopólio e ações jurídicas contra concorrentes.

Facebook é a segunda geração, um projeto dos filhos dessa classe virtual. Após a quebradeira das empresas “ponto com” em 2000, compreenderam bem a verdadeira vocação não só da Internet como o próprio ciberespaço: potencialização das redes de influências (já existentes no mundo real) até levar ao paroxismo do tempo real. ICQ e MSN já ensaiavam essa tendência.

Saber a qualquer momento sobre quem está falando o quê, sobre quem, quando e onde vira uma angústia e obsessão. Virtualizar as relações pessoais até o ponto que sejam transferidas para o ciberespaço e ali elas se desenvolvam.

A certa altura do filme Sean Parker (criador do Napster, interpretado pro Justin Timberlake) fala em um novo projeto, que sintetiza a nova sensibilidade dessa geração:
“A seguinte transformação a ser desenvolvida? Um pedido de compartilhamento de imagens. Um lugar onde você possa ver imagens que coincidem com a sua vida social. É a verdade... a digitalização da vida real. Você não vai só a uma festa. Vai a uma festa com uma câmera digital. E seus amigos revivem a festa on line.”
É a própria concepção de ciberespaço: deixar de habitar o espaço e passar a viver o tempo. Embora o corpo se desloque e habite o espaço, a consciência estará constantemente em outro plano, como um terminal (munido de dispositivos de digitalização e captação de imagens) plugado na rede, constantemente on line, sem interagir com o espaço, apenas no tempo.

Incomunicabilidade

Essa talvez seja a base do paradoxo da incomunicabilidade que fica bem evidente nas sequências de abertura e fechamento do filme. Ambas as sequências mostram a comunicação impossível entre Mark Zuckerberg e Erica Albright (Rooney Mara): na sequência de abertura Mark trava um diálogo delirante com Erica em um bar, onde ele tenta desenvolver uma série de raciocínios simultâneos (à semelhança de seu trabalho como programador, com várias telas abertas siultaneamente), não conseguindo entender as perguntas, conotações e jogos de linguagem de Erica. Com o diálogo impossível, Erica explode: “Vai passar pela sua vida pensando que as garotas não gostam de você porque você é um nerd... isso não será verdade. Será porque é um idiota.”

Na sequência final, ela fala a mesma coisa para Mark e se retira da sala. Sem ter conseguido dar uma resposta a ela, abre seu lap top, entra no Facebook e, na página de Erica, manda uma mensagem de solicitação para ser seu amigo.

Incapazes de se relacionar em ambientes reais, intelectualmente buscam digitalizar qualquer distinção de qualidade, sentimento e afeto (em uma certa sequência, um personagem fala em procurar um algoritmo que explicasse as relações entre garotas asiáticas e judias... ). Emocionalmente, procuram abrigo que os proteja da intimidade humana.

As imagens onde são mostrados os antigos amigos, criadores do Facebook, um de costas para o outro, em lados opostos de uma reunião com advogados em uma batalha jurídica pelo controle da empresa, é emblemático sobre essa incomunicabilidade decorrente da virtualização das relações.

E por que esse desejo tecnognóstico por virtualização? Se o mal estar da incomunicabilidade (tal como mostrado no filme) é tão grande, qual o prazer desse exílio das relações reais? Talvez o pesquisador canadense Arthur Kroker tenha uma boa resposta que pode ser a síntese do que o diretor David Fincher nos apresenta em “A Rede Social”:
“A masculinidade burguesa sempre foi pré-adolescente: pensamentos de pequenos garotos achando que poderão controlar o mundo, mas agora o mundo é ciberespaço. O sonho de ser deus do ciberespaço – ideologia pública como fantasia de garotos pré-adolescentes: uma regressão do sexo para uma autística forma de poder” (KROKER, Arthur & WEINSTEIN, Michael. Data Trash: the theory os the virtual class. N. York, St. Martin Press, 1994, p. 11.)

Ficha Técnica
  • Título: A Rede Social (The Social Network)
  • Diretor: David Fincher
  • Roteiro: Aaron Mezrich (baseado no livro “The Acidental Billionaires”)
  • Elenco: Jesse Eisenberg, Rooney Mara, Justin Timberlake, Andrew Garfield, Bryan Barter
  • Produção: Columbia Pictures, Relativity Media
  • Distribuição: Sony Pictures Releasing
  • Ano: 2010
  • País: EUA




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