domingo, agosto 28, 2011

Classes Médias exigem Cinema com Ficção "Realista"

As classes médias apresentam curiosas formações reativas diante de filmes cuja narrativa seja “non sense”, absurda e inverossímel: impaciência, estranheza e até agressividade. A demanda por narrativas realistas na história do cinema coincide com a entrada das classes médias na atual fase industrial e monopolista do meio. Filmes como “Quero ser John Malkovich” são herdeiros do primeiro cinema (do ilusionismo de Méliès ao “slapstick” americano) que as classes médias rejeitaram por ameaçar a estabilidade psíquica necessária para a integração pragmática a um sistema altamente competitivo.

Em uma aula da disciplina de Teoria da Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi apresentava aos alunos as principais teses da Escola de Frankfurt, principalmente no que se referia as relações entre os indivíduos e as celebridades na indústria cultural. Discutia a relação que Max Horkheimer estabelecia entre a crise da família patriarcal, a dissolução do ego e as celebridades como os novos ideais do ego oferecidos pela indústria cultural para substituir os pais ausentes.

Para ilustrar a discussão, apresentei o filme “Quero Ser John Malkovich” (Being John Malkovich, 1999) do diretor Spike Jonze. Procurava aproximar o argumento da narrativa (um casal de sociopatas e “loosers” que vislumbram a chance de abandonar suas vidas cinzentas ao descobrir uma forma de entrar na cabeça de uma celebridade e assumir uma nova identidade) com questões atuais da tecnologia digital tais como a relação entre pessoas reais e seus avatares virtuais.

Mas, como falam os lacanianos, a verdade estava em “outra cena”. Muitos alunos reagiram com estranheza e até impaciência a um filme cujo roteiro é surreal com diálogos repletos de “non sense”. Um titereiro que encontra por trás de arquivos a porta de um túnel escuro e úmido que leva direto à cabeça do ator John Malkovich era inverossímel demais, na opinião deles. Pedi para que explicassem melhor a estranheza em relação ao filme. Para eles, o filme era “esquisito” por ser aparentemente “realista” (afinal, trata de relações humanas problemáticas), com atores famosos (Cameron Dias e John Cusak), mas com um argumento surreal, inverossímel e absurdo. E o que é pior, o filme não fornece explicações lógicas para o túnel que acessa a cabeça de um ator célebre.

Já em outra oprtunidade, ao exibir para uma classe o filme “Como Fazer Carreira em Publicidade” (How to Get Ahead in Advertising, 1989 - um publicitário com bloqueio criativo que vê nascer um furúnculo no seu pescoço que se transforma em uma cabeça falante que quer dominá-lo) a reação foi idêntica, na verdade quase chegando ao motim: se rebelaram contra o típico humor negro inglês como “desnecessário” e “irreal”.

É interessante essa “formação reativa” das pessoas diante de narrativas fílmicas inverossímeis. Por trás esconde-se uma percepção realista não só do cinema como também das imagens (fotografia, audiovisual etc.). A imagem não seria apenas representação, mas um documento da realidade. Por isso, a expectativa do público é de narrativas lineares e verossímeis. Mesmo nos filmes repletos de computação gráfica, os efeitos digitais reduzem-se à figura de hipérboles, isto é, de exagerar ou ampliar os efeitos de realidade.

quarta-feira, agosto 24, 2011

Filmes que Escaneiam a Mente e a Nova Engenharia Social

Filmes e jogos controlados diretamente pelas ondas cerebrais do usuário através da nova plataforma de mídia interativa "Myndplay". A realidade supera a ficção: enquanto você se diverte um scanner realiza uma cartografia mental para que o usuário faça o controle das suas própria emoções. Forma de engenharia social onde comportamentos e atitudes desejáveis para Organizações e Indústria do entretenimento serão reforçados através da intervenção direta em determinadas regiões do cérebro .

O cientista político canadense Arthur Kroker conta uma irônica experiência em ciber-sexo de um jovem hacker americano em Berlin.  Ele e um colega francês criaram um traje especial para o corpo imergir numa experiência de sexo à distância. Uma perfeita máquina de ciber-sexo que possibilitaria uma relação sexual virtual entre Paris e Berlin. O experimento foi divulgado e atraiu uma multidão nas duas cidades. Pessoas vetorizando seus corpos, supostamente sentindo toques e penetrações de seus parceiros remotos como fossem experiências presenciais.

Mas algo curioso aconteceu. Ao final do segundo dia um ciber-parceiro de Paris mandou uma mensagem dizendo que estava tendo um problema com os códigos: uma falha na programação estava fazendo o programa funcionar em “loop”, em um feedback fechado. O que significava que em dado momento o usuário não estava mais fazendo sexo com algum parceiro remoto, mas com suas próprias sensações digitalizadas em “looping”. E os participantes estavam adorando! Em síntese, a experiência europeia de ciber-sexo converteu-se em um evento autístico, uma ciber-masturbação (Veja KROKER, Arthur. Hacking the Future. New York: St. Martin Press, 1996)

Essa experiência bizarra foi a primeira coisa que me veio à cabeça ao ler a notícia dos “filmes que escaneiam a mente” (clique aqui para ler a notícia). Na verdade, uma nova plataforma de mídia, a Myndplay, cuja tecnologia incorporara um scanner cerebral à experiência cinematográfica de forma que, de acordo com o estado emocional do espectador, narrativa do filme acaba sendo alterada. Dependendo de quão tenso ou relaxado o espectador estiver, através de sensores de eletroencefalograma o espectador instantaneamente interfere nos pontos interativos da narrativa.

sábado, agosto 20, 2011

A Guinada Metafísica de Hollywood

Hollywood vem experimentando uma guinada metafísica nos últimos anos. Filmes como "Show de Truman", "Mera Coincidência", "O Quarto Poder", "Matrix", "Vanilla Sky" até o recente "A Origem", vêm apontado para uma tendência de auto-reflexão ao tomar a própria mídia e as novas tecnologias como tema, porém num sentido metafísico: e se considerarmos que a própria realidade está deixando de existir como tal? O que chamamos de realidade já teria se reduzido a uma fina interface gerada pela presença das mídias e tecnologias que a observam. Por que este tema do colapso das fronteiras entre essência e aparência, realidade e simulacro torna-se recorrente em Hollywood? 


Boris Groys (filósofo e crítico de arte alemão) acredita que o cinema mainstream hollywoodiano entrou numa fase metafísica, numa espécie de auto-reflexão. Ao contrário do cinema europeu que se preocupa com o tema do humano, demasiadamente humano, Hollywood vem recentemente tomando a própria mídia e as tecnologias de comunicação como foco. Groys salienta que esta auto-reflexão nada teria a ver com a perspectiva iluminista, isto é, a de procurar o trabalho sujo, a arte feia por trás da bela ilusão da realidade produzida tanto pelo dispositivo cinematográfico como pela sua narrativa.
“Para sabê-lo, muito mais úteis parecem ser a sociologia, a análise econômica, a análise de poder etc. Sem prejuízo do que todas essas veneráveis ciências são capazes, incorrem elas num erro fundamental. Não consideram a possibilidade de que a própria realidade, inclusive toda a sociologia, a ciência econômica etc., possa ser um filme mal produzido.”[1]
Para discutirmos os aspectos políticos ou ideológicos que permeiam o processo de representação ou esteticização da realidade no cinema temos as ciências como a Sociologia ou a Economia. Mas, e se considerarmos que a própria realidade, cercada por um ambiente altamente midiatizado pelas tecnologias de comunicação e informação, estaria se tornando, ela própria, um campo de eventos cada vez mais artificiais? 

Explicando melhor, e se a própria estrutura dos acontecimentos se tornasse cada vez mais moldada ou influenciada pela presença massiva dessas tecnologias ao ponto que os eventos progressivamente se esvaziassem em seu estatuto ontológico de fatos fechados em si mesmo, espontâneos, históricos?

sexta-feira, agosto 19, 2011

A Ilusão do Fim e a Presunção da Catástrofe

"Os mercados estão derretendo", "fim", "abismo". A lógica midiática da “presunção da catástrofe” é a nova aliada do chamado “capitalismo cassino” para deliberadamente acelerar as oscilações dos mercados como instrumento de criação de novas oportunidades de ganhos especulativos. Até o velho Marx é chamado para decretar o apocalipse. Mas esquecem que ele tem um conceito muito mais radical para denunciar essa ilusão midiática do fim: o "Fetichismo da Mercadoria".

Nesta semana encontrei com um amigo que trabalha no mercado financeiro com títulos de agronegócios. Aproveitando a pauta atual da crise financeira global, não poderia deixar de lhe perguntar sobre como estava convivendo com a perspectiva do “derretimento” dos mercados. “Para mim, nunca esteve melhor”, respondeu para a minha surpresa. Segundo ele, quanto mais o mercado está oscilante, nervoso e tenso, melhor para os seus negócios: “Ganho mais com essas variações”.

“Crise global”, “tempo exausto”, “beira do abismo”, “moratória” são termos que dominam noticiários e textos de analistas, dando a entender que estamos a poucos passos do fim de uma era ou do próprio capitalismo. Karl Marx volta à cena na voz do professor de Economia da Universidade de Nova York, Nouriel Roubini, que há quatro anos teria previsto a crise financeira: “Marx estava certo”, diz ao confirmar o diagnóstico de que contradições internas levariam o capitalismo a crises cíclicas.

Os tumultos urbanos na Inglaterra ainda reforçam esse clima generalizado de catástrofe como o preço final a ser pago pelo neoliberalismo e o capitalismo financeiro desenfreado. Será o fim mesmo? Será que realmente estamos diante de uma “crise”? Ou de uma forma perversa de realização de lucros (ganhos por variações nas cotações) onde a lógica da “presunção da catástrofe” midiática ajuda a criar o clima especulativo ideal para a onda moralista de caça aos “especuladores malvados” que gastariam o bom dinheiro que deveria ser investido na economia real que geraria empregos?

Pois a “presunção da catástrofe” (que é a própria lógica informativa da mídia atual) é a nova aliada do chamado “capitalismo cassino” da financeirização generalizada da sociedade. Forma deliberada de aceleração das oscilações dos mercados como instrumento de criação de novas oportunidades de ganhos especulativos, ao mesmo tempo em que o discurso moralista da ilusão do fim salvaguarda a lógica perversa do jogo ao se buscar os “culpados malvados” de sempre.

Antes de invocarmos apressadamente Karl Marx como faz o “Dr. Catástrofe” Nouriel Roubini, devemos, isso sim, usar Marx para entendermos essa lógica da ilusão do fim através das teses de Robert Kurz e do chamado grupo Krisis na Alemanha: grupo de intelectuais formado em 1986 influenciados pelas ideias de Guy Debord e Theodor Adorno em torno do jornal “Krisis – contribuições para uma crítica à sociedade da mercadoria”.

quinta-feira, agosto 11, 2011

A Ilusão do Discurso da Ética

Punir os excessos do mal, mas não eliminar a causa. Esse é o destino da Ética no discurso pós-moderno repleto de palavras mágicas como "responsabilidade", "transparência", "sinceridade" etc. De ciência da moral que buscava as bases racionais da Verdade e do Bem, hoje a Ética é absorvida pelo subjetivismo, relativismo e fragmentação. Talvez seja o motivo pelo qual a permissividade da sociedade de consumo convive com o espírito da vigilância hiper-moralista.

Se há uma coisa que o Gnosticismo enquanto método de análise de uma realidade (seja cinematográfica - como no caso desse blog - seja política ou econômica) nos ensina é saber diferenciar entre uma análise ontológica e uma análise moralista. Toda análise moralista pretende combater os excessos do mal, mas não eliminar a causa. Parte do princípio de que esses excessos se originam em comportamentos e motivações corrompidas puramente individuais. Diferente disso, uma análise ontológica vai à radicalidade ao ver o mal não nos excessos, mas na própria estrutura que confina os indivíduos.

Esse parece ser o destino da palavra “Ética” na sociedade contemporânea: decair para o campo do julgamento moralizador,  do relativismo e do subjetivismo.

“Conscientização” e “Ética” são palavras repetidas como um mantra para a solução de todos os problemas na sociedade. Poluição, trânsito, violência, intolerância, crises financeiras, especulação, corrupção etc., parece que todos os problemas clamam pela necessidade de que os indivíduos conscientizem-se das implicações éticas dos seus atos. O bem comum, o outro, a própria sociedade necessitam de que todos tomem consciência de palavras mágicas como “responsabilidade”, “sustentabilidade”, “transparência”, “sinceridade” e assim por diante nas ações em todos os setores de relações humanas.

Nunca se falou tanto em Ética. Da ciência geral da moral na Filosofia, ela acabou se fragmentando em diversas éticas: ética profissional, ética religiosa, ética ambiental, ética conjugal, ética nos negócios e assim em diante. Se um setor da práxis social apresentar alguma prática que cause injúria ou prejuízo a algumas das partes, reivindica-se um comportamento “ético”.

sábado, agosto 06, 2011

O Herói Alquímico no filme "Sinédoque, Nova York"

O filme "Sinédoque, Nova York" aprofunda ainda mais a simbologia gnóstica e alquímica dos trabalhos anteriores de Charlie Kaufman como roteirista. Narra a jornada do herói que busca a individuação numa cultura marcada pelo medo do anonimato e da insignificância do gesto individual. Através de uma verdadeira jornada alquímica de transformação busca a verdade numa sociedade inautêntica.

“Sinédoque, Nova York” é o primeiro filme como diretor de Charlie Kaufmann, roteirista de filmes anteriores como “Quero ser John Malkovich”(Being John Malkovich, 1999), “Adaptação” (Adaptation, 2002) e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”(Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004). Tal como nesses filmes extravagantemente conceituais, aqui, como diretor, Kaufmann tem a plena liberdade em desenvolver todos os simbolismos lançados nos trabalhos passados.

Os trabalhos de Kaufman como roteirista já transitavam por simbolismos de inspiração na mitologia gnóstica como a discussão da reencarnação como uma prisão para o espírito no cosmos físico em “Quero Ser John Malkovich” (veja links abaixo) e o indivíduo prisioneiro em um mundo mental cujas memórias são manipuladas por um Demiurgo tecnognóstico em “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”.

Dessa vez, e com plena liberdade, Kaufman aprofunda ainda mais todos esses simbolismos ao empreender uma jornada alquímica no sentido dado pelo psicanalista Jung. Em entrevistas, Charlie Kaufman tem salientado que não pretende fazer filmes que tentam transpor para a tela as imagens dos sonhos, mas, ao contrário, explorar a vida interior dos protagonistas por meio de narrativas oníricas.  Em outras palavras, ele pretende transpor a narrativa onírica composta por metáforas e metonímias (condensações e deslocamentos, como dizia Freud) para a narrativa fílmica. Daí o nome do filme “Sinédoque” que é uma forma de linguagem metonímica como veremos adiante.

quinta-feira, agosto 04, 2011

A Celebração da Velocidade e a Politização do Tempo

Ironicamente a nosso indignação moral diante das mortes no trânsito corresponde à moralização que a cultura atual faz da velocidade: ser veloz é moralmente bom, como nos informa diariamente o discurso publicitário de produtos e marcas. Através da moralização da velocidade e da glamorização da lei do menor esforço, a obsessão pelo "maior é melhor" é substituída pela compulsão do "mais rápido é melhor“.
“Quicklube”, “Quick Cash”, “American Express”, “Federal Express”, “Mach 3”, “Slimfast”, “Speedo”, “Speed Dial”, “Instant Credit”. “Entregamos em 20 minutos ou você não precisa pagar por ele”. “Você precisa agir AGORA!”. “Você será aprovado em menos de 2 minutos”. “Corra! Restam alguns dias. Acabarão muito em breve!”
Sob esse regime da velocidade explicitado pelas mensagens publicitárias e da construção da imagem das marcas, ser veloz é moralmente bom. Em postagem anterior quando discutíamos sobre os atropelamentos de ciclistas na cidade de São Paulo (veja links abaixo), afirmávamos que era necessário politizar o tempo através da crítica à moralização da velocidade. De nada adiantam medidas de contenção do fluxo acelerado urbano (multas, câmeras, radares, leis etc) se testemunhamos o crescimento do regime da velocidade por meio da sua celebração e glamorização.
Onde Guy Debord via a “sociedade do espetáculo”, Paul Virilio (urbanista e pensador francês) via uma sociedade dominada pelo novo regime da velocidade. Nesta abordagem, velocidade é um meio ambiente e uma força sócio-psicológica que transformam o quê fazemos, como o fazemos, como nós pensamos e sentimos e, assim, como nos tornamos.
Os estados velozes se tornam o significante do desejo, capacidade, superioridade, eficiência, energia libidinal, performance e inteligência. Ao contrário, lentidão torna-se o significante da frustração, falta, inferioridade, deficiência, impotência, fraqueza, ou ainda – pensando em termos infantis – retardamento mental.

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