quinta-feira, abril 19, 2012

O Fascismo Espiritual no filme "Ink"


Uma espécie de organização fascista, os Incubus, habita o plano astral da humanidade, instigando pesadelos relacionados com humilhação e ressentimentos nos humanos no plano físico. Isso faz dois personagens, simultaneamente nos diferentes planos, serem consumidos pela vaidade e orgulho colocando em perigo a alma de uma criança raptada pelos Incubus. Ela será defendida por "Storytellers", guardiões dos bons sonhos. Esse é o filme independente "Ink" (2009) que revoluciona as tradicionais representações do cinema sobre as relações entre os mundos espiritual e físico. Fiel ao moderno hermetismo, o filme mostra a interpenetração entre os dois planos, com consequências que lembram a psicologia do nazi-fascismo tal como discutida por Alfred Adler e Erich Fromm.

Os mundos espirituais, etéricos ou sobrenaturais têm sido representados pelo cinema de três formas diferentes: 

(a) regiões da pós-morte ou quase morte ("twilight zone") habitada por mentores espirituais que nos ensinam grandes lições morais ou de onde olhamos a vida em perspectiva e extraímos lições eternas (“Amor Além da Vida”, “A Passagem” etc.); (b) região de onde provem fantasmas que nos assombram, espíritos vingativos que nos perseguem, entidades obsessoras que nos tentam ou, às vezes, o próprio demônio em pessoa que surge querendo dominar o gênero humano (“Poltergeist”, “Pesadelo em Elm Street” ou “O Advogado do Diabo”); (c) o “sobrenatural”, uma outra dimensão que, dadas certas condições, tangencia com o nosso mundo abrindo portais, criando enigmas metafísicos e fenômenos sobrenaturais (“Donnie Darko” ou as adaptações dos contos de Edgar Alan Poe).

Com o moderno hermetismo de Madame Blavatsky e Charles Leadbeater no século XIX o mundo espiritual começou a ser visto com uma outra dinâmica, como dimensões que se interpenetram e se influenciam mutuamente de tal maneira que a divisão entre “vivos” e “mortos” passou a ser meramente formal, como apenas “diferentes estados e agregação da matéria”. Essa visão concretiza-se nas descrições de André Luiz na obra “Nosso Lar”, psicografada por Chico Xavier na década de 1940, onde temos uma descrição do que ocorria no plano espiritual perto de eclodir a Segunda Guerra Mundial: “falanges obscuras do Umbral amontoam-se sobre a Europa impulsionando a mente humana para crimes”. A guerra travada em dois planos: o físico e o espiritual.

O filme independente “Ink” inova as tradicionais representações cinematográficas dos planos espirituais descritas acima ao criar uma narrativa fielmente próxima à visão do moderno hermetismo sobre os chamados “Planos Astrais”. Com uma instigante e complexa narrativa com flash-backs e flash-fowards consegue criar essa linha de continuidade e mútua influência entre “vivos” e “mortos” de tal maneira que o diretor e roteirista Jamin Winans vai tecendo como as motivações das ações humanas rebatem no Plano Astral criando futuros alternativos que influencia passado e presente simultaneamente.

Os Storytellers

Em outras palavras: o que fazemos no presente já teria ocorrido no Plano Astral (o “futuro” para nós), o que, em “looping”, vai nos influenciar no presente, a não ser que “quebremos” o círculo vicioso por meio do livre-arbítrio. Mas há falanges espirituais (os “Incubus” – referência às lendas medievais de demônios que agem à noite sugando energias vitais enquanto as pessoas dormem) que não querem isso, e lutam a todo custo para que o círculo vicioso seja mantido.

O filme começa com um argumento aparentemente clichê que lembra filmes como “Pesadelo em Elm Sreet”: Ink, o personagem título do filme, necessita entregar a alma de uma criança chamada Emma aos Incubus mediante o rapto dentro dos sonhos dela. Ink é um demônio, uma alma atormentada e humilhada, vestido de trapos e com um rosto horrivelmente deformado. Ele precisa cumprir esse trabalho para ascender na hierarquia do mundo espiritual chegando ao status dos Incubus onde terá uma melhor aparência, orgulho e poder.

Antes do rapto da alma de Emma, o espectador é introduzido aos seres que atuam nos nossos sonhos para nos proteger, para nos dar esperanças (Storytellers) e os que nos aterrorizam (os Incubus). A atuação destes no mundo etéreo causará efeitos no mundo terreno, podendo um ser humano morrer num pesadelo, entre outros efeitos.

Enquanto isso, uma equipe de salvamento prepara-se para resgatar Emma das garras dos Incubus, formada por Allel (a guardiã storyteller que está encarreguada de proteger Emma), Jacob um guia cego, capaz de sentir os ritmos e compassos do Mundo e das vidas dos seres humanos, e Liev uma poderosa storyteller que, ao tentar cumprir a missão de salvar Emma, acaba por cair nas mãos do demônio Ink.

O Fascismo Espiritual

O tema central do filme é a mútua influência do mundo espiritual e físico. Ao longo da narrativa percebemos a correspondência entre o pai de Emma, John, e o demônio atormentado Ink. Ambos, em cada plano, vivem situações instáveis onde lutam pela ascensão simbólica de poder.
Um dos Incubus

John trabalha no mercado financeiro e luta para fechar um negócio milionário que o fará poderoso e admirado por todos. Sua vaidade é uma forma de superar uma infância repleta de humilhações na família e na escola decorrentes da pobreza. A ambição pela ascensão profissional e as exigências decorrentes torna-o ausente da família. Sua filha Emma é hospitalizada em um estranho estado de coma (sua alma está sendo levada por Ink) o que faz John ficar em uma encruzilhada, entre largar um negócio milionário para ficar ao lado da filha ou concentrar todos os seus esforços para realizar uma transação financeira que o fará rico, poderoso e admirado por todos.

Ink, igualmente humilhado por sua pobre figura, luta para levar a alma de Emma aos líderes dos Incubus para merecer a promoção de status tão invejada.

Os Incubus são uma falange claramente de inspiração fascista. Acham-se uma raça superiora às imperfeições dos seres humanos (eles perderam a memória que também foram humanos no plano físico) e evitam serem contaminados pela humanidade. Por isso, trajam estranhas roupas de plástico e borracha e portam uma máscara/tela na frente do rosto onde são projetados os pesadelos humanos.

Se os Storytellers são os guardiões dos bons sonhos (amor, realizações, ideais etc.), ao contrário, os Incubus incentivam pesadelos relacionados com humilhação e ressentimento. Eles querem manter o fluxo de sentimentos que, no final, sustenta a sua organização fascitoide no Plano Astral. Esse “fluxo” poderia ser assim descrito: a humilhação leva a culpa e a culpa leva o homem à vergonha. Então, ele compensa a vergonha com orgulho e vaidade. Quando o orgulho falha, o desespero toma conta e tudo isso leva à destruição.

Essa é a condição tanto do pai ausente John quando a do pobre demônio Ink. O diretor Jamin Winans afirma que a batalha espiritual entre Storytellers e Incubus foi inspirada em uma citação que um dia ele leu: “Como os tiranos do mundo são iguais e quão maravilhosamente únicos são os santos!”.

Esse argumento que sustenta a narrativa do filme “Ink” nos faz lembrar toda a discussão sobre a psicologia do nazi-fascismo, empreendida pelos psicanalistas Erich Fromm (1900-1980) e Alfred Adler (1870-1937) na primeira metade do século XX. Adler, por exemplo, sustentava que a busca por perfeição do ser humano era uma compensação ao sentimento de inferioridade surgida dentro de um contexto social de crise socioeconômica como a experimentada no período entre guerras.

Fromm argumentava que esse “montante de frustração social” se coverteu em importante fonte para o nazi-fascismo: os ideais de pureza racial e perfeição, superioridade nacional e destruição sádica dos “inferiores” eram a compensação à impotência, ressentimento e isolamento.


Princípio da Correspondência

O filme “Ink” inova o campo da representação cinematográfica dos mundos espirituais por claramente se inspirar no esotérico “Princípio da Correspondência”, um dos princípios do Gnosticismo Hermético de Hermes Trimegisto (o primeiro a transmitir o conhecimento divino e celeste – Filosofia, Química e Cabala - por escrito na antiguidade): “O que está em cima é como está embaixo, e o que está em baixo é como está em cima”. É o princípio da Correspondência aplicado tanto na Astronomia na antiguidade como na Alquimia. Na verdade, um princípio hermético influenciado pela metafísica platônica (para Platão, o mundo percebido pelos sentidos é uma reprodução distorcida das formas puras existentes no mundo das Ideias).

Os Incubus, como “magos negros” no sentido dado pelas descrições nos mundos astrais por Leadbeater, são aqueles que manipulam o pensamento humano, forma poderosa e plástica por criar formas-pensamento nos planos etéricos, manipulados por essas organizações.

Como afirmou Jamis Winans “acredito que há coisas acontecendo em torno de nós que não somos capazes de ver, e acredito que há um monte de influências externas sobre o fluxo do mundo físico” (veja “An Interview with Jamis Winans” em Midnight Showing).

O filme foi exibido em alguns festivais e um número limitado de cinemas por ter uma distribuição independente. "Ink" passou a ter maior notoriedade quando foi colocado em sites de partilha de filmes, o que se revelou bastante positivo: acabou sendo criada uma autêntica rede de apoio ao filme com a compra do DVD, trilha sonora, camiseta e até doações de apoio ao projeto. Tudo isso encontra-se à venda no site que pertence ao próprio realizador do filme:  http://www.doubleedgefilms.com/

Ficha Técnica

  • Título: Ink
  • Diretor: Jamis Winans
  • Roteiro: Jamis Winans
  • Elenco: Christopher Soren Kelly, Quinn Hunchar e Jessica Duffy
  • Produção: Double Edge Films
  • Distribuição: independente
  • Ano: 2009


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