sexta-feira, novembro 08, 2013

Rei do Camarote e Huck "Gigante": bombas semióticas no front da guerrilha dos memes


Uma semana depois do contra-ataque involuntário às bombas semióticas do Enem feito por um estudante que simulou ser um candidato atrasado, veio a reação: uma nova bomba semiótica, dessa vez em um novo front, ainda mais letal por atingir dessa vez a percepção e a memória, instâncias pré-linguísticas. O vídeo do “Rei do Camarote” transformou-se em novo meme que explode em uma guerrilha memética cujo ponto de partida foi o filme publicitário “Gigante” protagonizado pelo apresentador Luciano Huck: memes intencionalmente elaborados para tornar o contínuo midiático ainda mais tenso e pesado.

A proximidade do final do ano e a lembrança que também nos aproximamos da Copa do Mundo e eleições presidenciais, está tornando cada vez mais pesada a atmosfera midiática nacional. Toda semana novos petardos de bombas semióticas cada vez mais sofisticadas são disparados no imaginário social, politicamente cada vez mais turvo e tenso. Se na semana anterior acompanhamos um contra-ataque do que chamamos de “bomba pós-moderna” (a simulação de um estudante que se passou por candidato atrasado na prova do Enem e que colocou a nu o mecanismo de montagem das bombas semióticas – clique aqui para ler), nessa semana tivemos a resposta imediata que abre um novo front de batalha ao lado das guerrilhas semiológicas: as guerrilhas meméticas.

Muito se fala de uma guerra memética desde o cenário aberto nas manifestações de junho. Mas, assim como no Marketing, nesse novo campo de guerrilha procuram-se agora criar memes artificiais. É o caso da matéria apoiada por um vídeo sobre o chamado “Rei do Camarote” publicado pela “Vejinha” ou Veja São Paulo.


"Rede": meme dos apoiadores
da Rede Sustentabilidade de
Marina Silva?
Esse caso é a confirmação de uma tendência iniciada pelo filme publicitário “Gigante” criado pela agência de publicidade DPZ em setembro. Nele vemos um comercial do cartão de crédito Hipercard do Itaú e o apresentador Luciano Huck como um gigante caminhando pelas cidades do Rio de Janeiro, Recife, São Paulo e Porto Alegre. Isso em plena efervescência das manifestações e da metáfora do “gigante acordou” nas hashtags das redes sociais. Claramente, a criação pega carona no clima político reinante.

A coisa torna-se ainda mais turva quando o jornalista Luiz Nassif aponta para o sincronismo entre a Rede Sustentabilidade de Marina Silva, Itaú e Natura com a mesma imagem – principais apoiadores da candidatura de Marina Silva, o Itaú muda o nome “Redecard” para “Rede” e a Natura enaltece suas consultoras dando destaque à palavra “Rede” no material publicitário – clique aqui para ler.

Portanto, estamos diante de uma novidade na guerra que se trava no contínuo midiático atmosférico: a guerrilha memética com novas bombas semióticas que não mais trabalham com retórica e persuasão no sentido clássico, mas agora com percepção e memória.

A ambiguidade do “Rei do Camarote”


O caso do “Rei do Camarote” parece confirmar a psicologia do rumor descrita por Gordon Allport e Leo Postman em 1947 que apontam dois fatores que impulsionam um boato que poderia ser sintetizado na seguinte fórmula:

A = i X a
Onde /A/ de alcance é igual à /i/ de importância multiplicada por /a/ de ambiguidade. O alcance de um boato (e modernamente de um meme) é determinado pela sua importância (o fator novidade não no sentido tradicional jornalístico, mas de bizarrice, inesperado) multiplicado pela ambiguidade – o fato é tão inesperado e bizarro que se cria a ambiguidade: é real ou falso? Alexander de Almeida realmente existe?
A performance overacting do personagem, o fato dele estar sempre dançando sozinho, a mão pesada da edição do vídeo (a composição dos planos são muito estereotipados – o personagem posando ao lado de baldes de champanhe, planos detalhe das pernas de mulheres no camarote, planos de câmera em contra-plongees do personagem segurando garrafas de bebidas caras, os vários planos visivelmente posados etc.), o fato de o personagem ao final de cada frase dar um sorriso forçado ao estilo Narcisa Tamborindeguy, tudo isso somado confere uma atmosfera ambígua – além da vergonha alheia ao personagem.
A ambiguidade do vídeo (no espectador cria-se uma confusão de registros entre o jornalístico, o cênico e o espontâneo) transforma-o em meme. Propositalmente o vídeo transita entre o jornalístico e o que em cinema chama-se mockumentary – estilo de filme onde eventos ficcionais são apresentados em estilo documental. Em outras palavras, o vídeo pegou um personagem real para representá-lo em linguagem ficcional, numa tal simbiose que se cria uma forte ambiguidade que, para Portman e Allport, seria o elemento propulsor de boatos, mentiras e memes.
Mas ao contrário dos memes espontâneos, esse possui intencionalidades, a primeira delas mais óbvia: a mercadológica, demonstrada na resposta que a revista deu à suposta falsidade do personagem - “quando uma pessoa vira personagem de uma capa da Veja São Paulo é comum que sua vida mude bastante depois que a revista começa a circular”. O personagem é sucesso porque a revista é sucesso, quis dizer a redação da revista.
A segunda, mais imediata: a riqueza do protagonista vem da recuperação de frotas de veículos de pessoas físicas e jurídicas inadimplentes – ecos de uma suposta conjuntura de crise econômica, quadros inflacionários e recessivos que o descontrole fiscal e cambial estaria provocando no País. O “Rei do Camarote” se associa à imagem do colar de tomates no pescoço da apresentadora global Ana Maria Braga, esse um meme mal sucedido na tentativa de criar uma bomba semiótica de um suposto abismo econômico nacional.
A terceira é mais profunda e preocupante: embora a ostentação desavergonhada de quem fala que gasta 70 mil em uma noite em um camarote de balada cause vergonha alheia e indignação moralista, quem desdenha quer comprar... e principalmente a nova classe média criada paradoxalmente pelo sucesso econômico que o vídeo quer desmentir: novo grupo social que foi integrado à sociedade de consumo por meio do crédito e facilmente seduzido por esses ícones de status e prestígio. Sua mobilidade social foi mais rápida que sua consciência de cidadania, seu poder de compra veio primeiro que a consciência política. Contradição com a qual a Esquerda terá que enfrentar em um futuro muito próximo. A intencionalidade profunda dessa vídeo/meme sabe disso e aposta nos frutos dessa contradição.

Luciano Huck e o meme do “Gigante”

O início dessas novas bombas semióticas criadas para o front das guerrilhas meméticas certamente está no filme publicitário “Gigante” onde Luciano Huck pega carona na metáfora do “gigante acordou” das manifestações de rua de junho. Mais do que uma estratégia de marketing oportunista (aproximar um cartão de crédito ao público jovem que saiu às ruas), há também as ambições políticas e lobistas do próprio apresentador (sobre isso, clique aqui) e as incursões partidárias do Itaú ao apoiar a Rede Sustentabilidade de Marina Silva.
Essas bombas semióticas meméticas são bem diferentes das clássicas que até aqui estávamos nos defrontando. As clássicas lidam com discursos, retórica e persuasão por meio de figuras de linguagem como metáforas e metonímias. Elas apelam para a alteração comportamental – opinião, atitude e opção política.
Proust: memes, percepção
e memória
Ao contrário, as bombas semióticas meméticas lidam com fragmentos de ícones e símbolos, E apelam não mais para o comportamento, mas agora para a percepção e memória por meio daquilo que as neurociências chamam de afecção. O filósofo empirista inglês John Locke afirmava que “nada está no intelecto que não estivesse anteriormente nos sentidos”. Outro filósofo, o francês Henri Bergson, chamava a transição entre os mecanismo sensórios e o intelecto como afecção: qualquer processo sináptico cerebral resultante de um estímulo de nossos órgãos sensoriais, principalmente áudio e imagem. À medida que as afecções se repetem produzem no cérebro um misto de percepção e memória. Quanto mais percebemos diversas vezes, mais se tornam memórias. Mas estas memórias não estão sempre na nossa consciência: elas estão no mundo.
Tanto para o escritor francês Marcel Proust (autor do clássico Em Busca do Tempo Perdido) como para o filósofo Bergson, perceber é lembrar. Um exemplo é o objeto perdido que, sem querer encontramos na gaveta em um dia de limpeza da casa e que nos faz voltar à lembrança de determinados fatos. As memórias estão latentes, à espera que acontecimentos perceptivos as despertem para que processos sinápticos sejam despertados e novos possam se configurados.
 Pois os memes têm esse poder: são como objetos perdidos em gavetas, fragmentos que podem despertar novas associações. É claro que a intenção dessas novas bombas meméticas seja, a médio e longo prazo, a mudança de um comportamento político que resulta numa ação direta: voto ou golpe! Mas, ao contrário da bomba semiótica clássica que age em aspectos subliminares e liminares por meio de processos linguísticos, a bomba semiótica memética é, por assim dizer, fenomenológica: explora a percepção e os órgãos sensórios mais imediatos.
Surgido em um filme publicitário de uma marca de uísque, a metáfora do gigante foi apropriada nas postagens das redes sociais sobre as manifestações a partir o momento em que o movimento foi encampado pela grande mídia sob a pauta genérica (mas com endereço bem definido) da indignação “contra tudo que está aí”. Luciano Huck como um gigante caminhando pelas grandes capitais do país onde coincidentemente aconteciam as manifestações cria essa percepção sincrônica que satura o contínuo midiático: é o objeto perdido na gaveta que faz lembrar determinados fatos.
Pela sofisticação e letalidade cada vez maior das bombas semióticas, certamente devemos esperar por atmosferas cada vez mais escuras e pesadas nos próximos meses. E certamente não faltarão aqueles que gostam de pescar em águas turvas.

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