segunda-feira, março 17, 2014

Em Observação: "Olhos de Rinoceronte" (2003)

O filme “Olhos de Rinoceronte”, estreia de Aaron Woodley, sobrinho do famoso diretor canadense David Cronenberg, é uma excelente oportunidade para se discutir como os filmes gnósticos atuais exploram na sua estética a combinação de elementos do gênero barroco e romântico, resultando naquilo que alguns autores chamam de “neobarroco”: um protagonista que vive imerso num gigantesco depósito de antiguidades e relíquias alugadas para produções cinematográficas, onde o amor por uma cenógrafa tentará arrancá-lo daquele mundo de ilusões. Mas os objetos, em bizarras animações em stop motion, tentarão mantê-lo prisioneiro naquela alegoria de caverna platônica.


Título: “Olhos de Rinoceronte” (Rhinoceros Eyes, 2003)

Diretor: Aaron Woodley

Plot: Chep (Michael Pitt) é um jovem recluso que trabalha e mora em um grande depósito de antiguidades e objetos variados alugados que atende às produções cinematográficas locais. Passa os dias perdido entre os labirintos do prédio repletos de objetos antigos e à noite vai a um cinema próximo assistir sempre o mesmo filme B de melodrama The Sands of Marocos. Até que um dia conhece uma designer de produção chamada Fran (Paige Turco) com um inusitado pedido: olhos de rinoceronte autênticos para uma filmagem. Chep se apaixona por Fran e fará tudo para atender seus pedidos de produção cenográfica, cada vez mais inusitados e mórbidos. O seu amor por ela associado aos pedidos cada vez mais bizarros fazem Chep progressivamente perder os limites entre sonho e realidade. E os objetos do depósito parecem ganhar vida e tentam interferir na sua relação afetiva que promete tirá-lo daquele mundo de ilusões.

Por que está “Em Observação”? – A crítica o classificou como um conto gótico e ao mesmo tempo psicodélico. Um filme híbrido que parece o resultado de uma fusão entre Erasearhead de David Lynch e Edward Mãos de Tesoura de Tim Burton. Um filme com uma constante atmosfera estranha onde o design dos objetos que se acumulam nos intrincados corredores do depósito lembram o surrealismo de Dali e a estética barroca.

A primeira coisa que chamou a atenção do blog foi a relação de fascínio dos personagens com os objetos de várias épocas acumulados no depósito guardado por Chep: o fascínio nostálgico pós-moderno, conceito discutido em postagem anterior – clique aqui para ler. Por que essa nostalgia de jovens por épocas que não viveram? O filme parece dar uma pista de resposta através da sua estética gótica e romântica que parece ser atemporal, pelo menos desde o século XIX: a cada década sempre acompanhamos revivals sejam literários, cinematográficos, musicais ou pop dessa estética que podemos chamar de neobarroca – rock horror, darks, góticos, emos etc.

O segundo elemento é uma alusão à metáfora da caverna de Platão: o protagonista vive e trabalha dentro de uma redoma de objetos originários do teatro, cinema, parques de diversões e lojas de brinquedos como fantoches, carrosséis, máscaras e fantasias. Cercado de ilusão (simulacros do mundo real) ele tenta chegar ao mundo exterior através do amor por Fran. Mas a ilusão tenta conspirar contra ele – através de sequências em stop motion onde os objetos criam formas bizarras que tentam se comunicar com Chep. Temos aqui uma evidente narrativa gnóstica.

Como sempre em narrativas gnósticas, a personagem feminina corresponde ao papel de Sophia, aquele que fará o protagonista despertar da ilusão. E também, tal como Sophia, a protagonista paradoxalmente participa da manutenção do sistema que tenta aprisionar o protagonista: Fran é cenógrafa e participa da indústria cinematográfica, assim como Sophia foi aprisionada pelo Demiurgo e participou da construção desse cosmos físicos animando a criação corrompida das esferas materiais.


O que esperar? – O diretor Aaron Woodley é sobrinho de David Cronenberg, famoso diretor canadense notabilizado por narrativas estranhas e bizarras envolvendo a relação homem e tecnologia. Olhos de Rinoceronte é a estreia de Woodley e parece que o DNA do tio famoso é confirmado nessa produção, apesar de alguns problemas do ritmo de roteiro, como demonstram essas linhas da crítica de Marcy Dermansky na época do lançamento do filme: “Rhinoceros Eyes é um primeiro filme sério, bem intencionado e habilmente realizado pelo diretor. Infelizmente, ele é tão carregado de coisas – animações super-legais, apoio de personagens coadjuvantes excêntricos e idiossincráticos -  que o verdadeiro encanto da história corre muito tempo antes de o clímax da sequência final do dedo decepado. Michael Pitt, o ator com cara de bebê com cabelos loiros compridos e grandes olhos azuis, que recentemente participou de uma produção mais sofisticada de Bertolucci em The Dreamers, sustenta o filme apenas por ser ele mesmo. O personagem de Pitt é tão atormentado que mesmo quando fica escondido por trás de uma pesada e assustadoramente realista máscara de Halloween de Tor Johnson, é difícil não sentir a sua dor.” (About.com World/Independent Film).

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