quinta-feira, agosto 28, 2014

Curso "A Linguagem das Mercadorias" revela a secreta conexão entre magia e consumo

O que há em comum entre a crença mágica das tribos melanésias da Oceania de que conseguiriam atrair aviões para o chão ao fazer réplicas primitivas dos aparelhos aéreos na terra e a atual relação dos consumidores com produtos e marcas? A relação fetichista, o renascimento do antigo pensamento mítico e mágico na moderna sociedade de consumo. Essa foi a descoberta das discussões do segundo encontro do curso “A Linguagem das Mercadorias” dentro da pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi/SP, ministrado por esse humilde blogueiro.  Iniciado no nazismo como estratégia de propaganda política que manipulava a força de símbolos de origem mítica, a moderna publicidade logo aprendeu que essa tática semiótica poderia ser aplicada também para a promoção do consumo de produtos e serviços.


O curso “A Linguagem das Mercadorias”, dentro do segundo módulo da pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi , chega à segunda semana com interessantes descobertas. Ministrado por esse humilde blogueiro, no primeiro encontro os alunos tiveram contato com as ideias dos três principais nomes nas ciências sociais que chamaram a nossa atenção para o lado “fantasmagórico” ou simbólico das mercadorias: Karl Marx, Thorstein Veblen e Max Weber.


Para entender a natureza linguística da mercadoria (publicitária, psíquica e mitológica), em primeiro lugar é necessário desconstruir a sua natureza utilitária ou econômica. E esses três autores nos forneceram as primeiras pistas:
Veblen: o homem não se conformaria com
o aumento geral da riqueza na comunidade

(a) Marx com a noção de fetichismo da mercadoria (a economia como uma gigantesca fantasmagoria onde entidades criadas pelo homem – dinheiro e capital – ganham vida própria e dominam o próprio homem criando um elo religioso de idolatria);

(b) Veblen com a sua teoria da classe ociosa e do consumo conspícuo (grande parte da atividade econômica é tempo gasto em atividade não produtiva onde a propriedade de bens serve para emular distinção, honra, prestígio e status);

(c) Weber que destaca o pressuposto da criação da escassez para a valorização artificial da mercadoria – se a escassez é o pressuposto subjetivo da valorização da mercadoria, isso abrirá as portas para a publicidade criar a escassez psíquica (desejo, viciosidade e compulsão) e a indústria a obsolescência planejada.

O signo-fetiche nas mercadorias


No segundo encontro os alunos tomaram contato com a primeira dimensão da linguagem das mercadorias: o signo-fetiche – as outras dimensões abordadas pelo curso serão o signo-afeto, o signo-dádiva e o signo-arquétipo.

Fizemos uma interessante descoberta que focaliza o fenômeno do consumo das mercadorias por uma nova perspectiva: o fetichismo, relação invertida que os homens mantêm com os objetos (eles se humanizam enquanto o homem se coisifica), é a própria essência do pensamento mítico e mágico. Em pleno século XX, era das modernas tecnologias midiáticas e de divulgação publicitária, o fetichismo renasce como relação mágica não mais com deuses, mitos ou Deus, mas com mercadorias que parecem assumir agora poderes sobrenaturais.

E localizamos esse revival na aurora da moderna propaganda: no nazismo. A sua propaganda política mobilizou toda uma mitologia hermética sintetizada pela suástica (símbolo budista tibetano) e criou uma narrativa da raça ariana originada dos sobreviventes de Atlântida residentes nos templos budistas no Tibet.

Melanésios podem derrubar aviões?

O pensamento mágico dos melanésios
se repete na sociedade de consumo?



De repente, a propaganda nazi descobriu o poder dos símbolos (já presente na antiga heráldica) que, na atualidade, transformou-se nas estratégias de branding ou de gerenciamento de marcas. Símbolos, marcas e logos são invertidos de poderes mágicos ou fetichistas que são transferidos para a materialidade dos produtos, revivendo o antigo pensamento mágico que trabalha com a analogia de signos: assim como os antigos melanésios que, ao verem os aviões cruzando o céu, faziam primitivas réplicas em terra para tentar atraí-los, da mesma forma portamos produtos e grifes na esperança de que atraiam poder de sedução, felicidade, masculinidade, sensualidade etc.

Assim como na propaganda nazi onde um homem comum ao portar a braçadeira com a suástica sentia-se, de repente, poderoso e destinado a uma missão messiânica, da mesma forma na atualidade o fato de vestirmos uma t-shirt com o nome de uma grife estampada nos tornaria poderosos ou predestinados à felicidade.

Por que o homem precisa de fetiches?


O grupo de discussão refletiu sobre o porquê dessa necessidade humana por fetiche, tema do filme brasileiro assistido na classe: 1,99: Um Supermercado Que Vende Palavras (2003) do diretor brasileiro Marcelo Masagão. Foi lembrada a tese de Veblen, de que a propriedade de mercadorias emularia um desejo íntimo de distinção e prestígio.

Freud: o homem teme mais não ser amado
do que morrer
Para Veblen, devido à sua natureza, o homem não se conformaria com o aumento geral de riqueza na comunidade que fosse suficiente para satisfazer as necessidades de todos, pois suas necessidades individuais refletem sempre o desejo de sobrepujar os demais, a fim de ostentar sua honorabilidade.

Passamos então a ver o que a psicanálise freudiana tinha a nos oferecer sobre uma possível explicação por essa necessidade humana por fetiche. Em Freud, o fetiche assume não só uma natureza de perversão sexual, mas também um mecanismo de defesa contra a angústia da castração – a perda do simbolismo fálico.

Essa tese de Freud, no final, parecia se ligar a ideia de Veblen: na verdade o homem temeria perder a posse do objeto fálico, o símbolo que o tornaria poderoso e distintivo frente aos outros.

Pior do que a morte: não ser amado


Porém há algo de mais profundo e existencial na angústia humana que diversas vezes Freud deixou transparecer em seus escritos: não se trata apenas de uma questão sexual ou de desejo de poder. A angústia viria de uma coisa que o homem mais teme, mais que a própria morte (afinal, o homem parecer ser a única espécie que consegue dar cabo da própria vida no suicídio): o medo de não ser amado.

No fundo, o signo-fetiche se ligaria ao signo-álibi: a relação fetichista com os produtos seria um álibi – busca por poder, distinção e prestígio seria a forma equivocada de conseguir o amor de todos ao redor. Confundir a celebridade com aquela que seria a pessoa mais amada por ser o objeto da atenção de todos, seria o equívoco que frustraria o consumidor na ânsia de buscar o reconhecimento e o amor de todos.

A mercadoria pode ser
um objeto transicional do psiquismo
Pelo fato de o homem temer a solidão e o desamor, a mercadoria fetiche lembraria claramente o chamado “objeto transicional” do psiquismo infantil como descrito por Melanie Klein: o objeto que faria a transição entre a perda do amor da mãe (o seio e a amamentação) e o mundo no  qual a criança deve se inserir. Ursinhos de pelúcia, “sujinhos” e brinquedos assumem momentaneamente a função de mãe dando segurança e conforto, dando um consolo para a “perda” do amor materno.

Porém a sociedade de consumo, ao promover os produtos como fetiche, transformariam esses “objetos transicionais” em algo permanente, viciante e compulsivo.

O Curso


Os encontros do curso “A Linguagem das Mercadorias” ocorrem todas as segundas-feiras na sala 752 – Unidade 7 do campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo – Rua Casa do Ator, 275. O curso vai até o dia 22/09.

Na próxima segunda, dia 01/09, abordaremos o signo-afeto no consumo através da semiótica peirciana e psicanálise.


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