domingo, maio 01, 2016

Vídeo de Michel Temer exibe canastrice como força da propaganda


O vice-presidente Michel Temer em vídeo numa igreja onde tece elogios ao presidente da Câmara Eduardo Cunha diante de atentos evangélicos. A performance “videogênica” de Temer é mais um exemplo da força da canastrice na propaganda política – fenômeno ignorado até aqui pela Ciência Política. Em uma atuação exagerada, “overacting”, autoconsciente e fake, Temer parece fazer uma caricatura das caricaturas de personagens como Silvio Santos ou Raul Gil. Tal como a canastrice estudada de Geraldo Alckmin, Temer é mais um personagem político cuja força não vem das estratégias de sedução, persuasão ou da arbitrariedade de golpes militares. Paradoxalmente surge da banalidade de personagens que enfadonhamente imitam outros personagens canastrões com os quais estamos habituados em telenovelas, cinema e programas de auditório. Por que as massas se conformam com essa replicação banal dos simulacros midiáticos?

Circula nas redes sociais um vídeo no qual o vice-presidente Michel Temer faz rasgados elogios ao presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Sem data, o discurso foi realizado em alguma igreja evangélica durante campanha de apoio a Cunha - veja o vídeo abaixo.

O vídeo é mais um exemplo do fenômeno da canastrice na propaganda, fenômeno que parece ser ignorado pela Ciência Política sempre privilegiando explicações sociológicas ou ideológicas em cada análise de conjuntura.

A canastrice domina a propaganda política: políticos emitindo discursos em performances exageradas, fakes, forçadas porque carregadas de clichês que fazem alusões a atores e personalidades midiáticas igualmente canastrões. 


Ironicamente, esses discursos e performances não espontâneas e caricatas tornam-se críveis porque o tempo inteiro são alusivos à ficção midiática. Na sua banalidade da imitação dos simulacros televisivos e cinematográficos com os quais convivemos diariamente, deixamos de perceber a natureza falsa e "teatral" das performances.



A performance de Temer


As mãos gesticulam nervosamente em movimentos circulares fazendo, juntamente com a proximidade do microfone na, gravata lembrar a figura do apresentador Silvio Santos e seu indefectível microfone pendurado no pescoço.

Peito empolado, metido em um terno com um corte reto e muito ajustado ao corpo. Cabeça maneia constantemente tentando enfatizar cada pronome oblíquo, lembrando os clichês de seriedade de apresentadores de telejornal como William Bonner.

Em outros momentos a mão aberta é levada à altura da barriga tentando simular formalidade e neutralidade ao discurso propagandístico – que, em si, como discurso propagandístico, não tem nada de neutro ou imparcial.

Às vezes a mesma mão aberta é levada ao plexo num clichê de oratória para tentar enfatizar uma suposta sinceridade e autenticidade ao discurso. Lábios estalam como recurso para criar uma pausa enfática.  Tudo é um grande overacting!

Estranhamente há algo que lembra o personagem criado pelo governador de São Paulo Geraldo Alckmin – a “calma estoica”: quando sorri, parece sentir alguma dor profunda. Um sorriso vincado, certamente resultante de alguma intervenção plástica no rosto mas que consegue um excelente rendimento midiático como um personagem “estoico” – sobre esse estoicismo na política clique aqui.

Isso o transforma em um personagem para quem o Destino parece ter lhe confiado alguma missão sacrificial.

Por isso Alckmin levou a impagável alcunha de “picolé de chuchu diet” como fosse alguma espécie de asceta sofredor fake.

Para reforçar essa imagem, Temer parece sempre se deixar mostrar de perfil criando uma estranha analogia física com Robespierre, a importante personalidade da Revolução Francesa. Conhecido como “o incorruptível” e impor o regime sanguinário do Terror, terminou tragicamente na guilhotina. O que confere ainda mais um ar de drama à performance canastrona.


Temer também parece seguir o mesmo script do governador de São Paulo (será que estamos diante de uma escola paulista de canastrice na política?) – o bom mocismo com sua esposa “bela, recatada e do lar”, a calma estoica dos sofredores e a sinceridade excessivamente autoconsciente das mãos. Porém, com uma esposa quarenta e três anos mais jovem, o que dá a necessária pitada de virilidade e sexualidade, necessária para dar alguma vida a um simulacro que copia outros simulacros midiáticos.

O ar professoral (constantemente o queixo se levanta enquanto os lábios se apertam em um movimento circunflexo) é exageradamente estudado e autoconsciente. Mas, paradoxalmente, o ritmo e ênfases no discurso de Temer são quase idênticos às falas de Silvio Santos repetidas há décadas em cada domingo – definitivamente, existe uma escola paulista de canastrice!

Alguns internautas tentaram comparar a performance de Temer ao demoníaco personagem de Al Pacino no filme O Advogado do Diabo (1997). Temer é exageradamente canastrão (desculpem o pleonasmo!) para se equiparar à atuação necessariamente satânica que Pacino teve que performar. Talvez o overacting de Eduardo Cunha, com seus olhos que jamais piscam, se aproxime mais do cheiro de enxofre daquele infernal advogado.

A canastrice na propaganda política


A canastrice de Michel Temer está dentro dessa verdadeira zona cinza da Política – não é mais um fenômeno estritamente ideológico-político. Sua força não vem do terror, da ditadura, da persuasão, manipulação ou sedução.

Paradoxalmente, vem da banalidade da imitação quando vemos um político que repete a atuação de atores canastrões e de apresentadores de programas de auditório como Silvio Santos (a principal referência), mas também de Raul Gil ou dos falecidos Flávio Cavalcanti e Blota Júnior.

Assim como também no passado Hitler e Mussolini, amantes do cinema, inspiraram suas performances caricatas em astros da época como Chaplin e nos galãs canastrões hollywoodianos como um Rodolfo Valentino vestido de sheik das arábias másculo e romântico.

Michel Temer: entre o "Advogado do Diabo" e Robespierre

Essa banalidade que definitivamente estetizou a política desde os tempos do nazi-fascismo aproveita-se de uma inversão do nosso aparelho perceptivo com a massificação das imagens desde o cinema – começamos a tomar o real não por ele mesmo, mas a partir de imagens anteriormente feitas sobre a realidade. Vemos a realidade a partir dos simulacros que precedem o próprio real.

Julgamos o que vemos, como algo real ou ficcional, falso ou verdadeiro, ironicamente a partir do simulacro – o banal, aquilo que está para além da realidade e da ficção.

A canastrice é filha da Hiper-realidade da Disneylândia e do seu verdadeiro pai, Walt Disney – aquele que normatizou as conexões dos simulacros com o mundo real no século XX.

A força de personagens políticos como Alckmin e Temer não vem mais da ideologia ou da força política de revoluções sangrentas, golpes militares ou do terror. Mas da banalidade onde personagens do mundo político já não possuem mais auras idealistas, heroicas, messiânicas ou revolucionárias: apenas replicam enfadonhamente os personagens canastrões com os quais convivemos diariamente em telenovelas, filmes e programas de auditório.

Cada vez mais vemos exemplos de políticos à direita do espectro político que não mais seguem o figurino do moralismo histérico de um Carlos Lacerda ou de um Jânio Quadros. Sem arroubos proféticos ou messiânicos, limitam-se à banalidade da imitação - a canastrice que imita outra canastrice, que, por sua vez, foi uma caricatura exagerada de outro personagem e assim por diante.

Parece que o ar enfadonho e canastrão destas figuras ajudam a nos conformar com o sabor amargo de futuro. O futuro como mais uma cena de algum melodrama qualquer.


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