domingo, dezembro 18, 2016

Curta da Semana: "Monkey Love Experiments": amor, macacos e corrida espacial



Corrida espacial entre EUA e URSS nos anos 1960. Enquanto os americanos mandavam para o espaço macacos, na Terra um cientista fazia cruéis experiências para estudar a privação do amor maternal e social com filhotes de macacos rhesus. Essa situação paradoxal da Ciência inspirou o curta “Monkey Love Experiments” (2014) que emula os famosos vídeos das experiências do Dr. Harry Harlow sobre a natureza do amor. Um pequeno filhote em sua cela agarrado a sua mãe artificial sonha em ser mais uma macaco que será enviado para o espaço. O curta sugere duas discussões: os rituais de sacrifício aos quais sociedade submete a infância; e como Ciência, para estudar o amor, não deve amar o próprio objeto que estuda.

Houve um ponta paradoxal na história da ciência: enquanto macacos eram enviados ao espaço em cruéis experimentos dentro da corrida espacial que culminaria em 1969 com a chegada do homem na Lua, em um laboratório da Universidade de Wisconsin eram feitos experimentos com macacos sobre as consequências da privação do amor e isolamento.

O psicólogo norte-americano Harry Harlow (1905-1981) decidiu aplicar a metodologia experimental para compreender a importância do conforto e do amor nas primeiras etapas de desenvolvimento dos macacos Rhesus. E principalmente, o que é o amor? As origens desse sentimento na relação mãe-filho e como a sensação de ser amado e acolhido é mais importante do que o próprio alimento.

Enquanto no espaço macacos estavam isolados e confinados, aqui na Terra outro cientista queria provar o quanto o isolamento e a privação de amor cria danos irreparáveis.

Harry Harlow

O curta


Esse curioso paradoxo na história da ciência inspirou os animadores Ainslie Henderson e Will Anderson a fazer o curta Monkey Love Experiments (2014), combinando stop motion, live-action e animação 3D. O curta tenta emular os vídeos originais em VHS dos experimentos de Harlow. A dupla de diretores assistiu aos vídeos repetidas vezes tentando captar alguma coisa de estranheza escondido neles – são vídeos parte ciência e parte teatro e o cientista é um verdadeiro show man, enquanto o pobre macaco vê para tudo com um olhar assustado aguardando seu destino.

Assim como o pequeno macaco chamado Gandhi no curta, agarrado à sua “mãe” de arame e feltro observado o cientista. Enquanto na bancada do laboratório está uma TV que transmite a chegada do homem na Lua e um documentário sobre a corrida espacial onde vemos macacos sendo colocados em capsulas para serem despachados para a órbita da Terra.


Orgulhoso, Ghandi acredita que ele será o próximo macaco a ser enviado para o espaço. Enquanto o cientista faz preparativos e preenche relatórios, Ghandi vê a TV e olha para a Lua na janela. Sobre a bancada vê uma espécie de cápsula que, acredita, será colocado para ser enviada dentro de um foguete.

Mal sabe ele... a cápsula, na verdade, é um dos experimentos mais cruéis do emérito Dr. Harlow: a câmara de privação, na qual o cientista queria quantificar os efeitos do isolamento – o animal ficava confinado em períodos que passavam de um ano, sem nenhum contato com qualquer criatura. Apenas era alimentado e suas necessidades fisiológicas limpas sem nenhum contato. Alguns morriam e muitos tornavam-se irreparavelmente psicóticos.

Algumas reflexões


Duas reflexões emergem desse curta. Primeiro, a imaginação e fantasias da infância e o ritual de passagem para o mundo adulto e racional. Para o pequeno Ghandi o mundo da Ciência é fantástico, repleto de fantasias em um imaginário pulsante de possibilidades de conquistas.

Mas da pior maneira possível descobrirá que esse mundo racional exige rituais de sacrifício. A história da Ciência está pavimentada de mortos, tudo em nome de um ideal maior. O pobre Ghandi não sabe que ele próprio será mais um espécime sacrificado em nome de um “bem maior”.


Da mesma maneira como a passagem da infância para o mundo adulto é marcada simbolicamente por sucessivas mortes – o abandono de todas esperanças em nome de uma recompensa futura que nunca chega. E se chegar, serão apenas a conquista de condições financeiras que paguem prazeres de segunda mão que imitem como caricatura as fantasias esquecidas na infância. Algo assim como o significado do trenó da infância para o milionário Charles Foster Kane no filme clássico de Orson Welles Cidadão Kane (1941).

A segunda reflexão é a obsessão científica pela quantificação, pelo menos nas pesquisas sobre a natureza do amor feitas pelo Dr. Harlow, tema empírica e filosoficamente já comprovado, da Filosofia e Literatura até a Psicanálise.

Freud já dizia, amparado por anos da experiência clínica psiquiátrica, que o homem teme muito mais a solidão do que a própria morte.

Mas a psicologia comportamental teve que submeter inúmeros macacos rhesus a sucessivas sessões de tortura para comprovar quantitativamente por relatórios, repletos de tabelas, gráficos e curvas, aquilo que já era conhecido por outras áreas do conhecimento: amor e proteção são fundamentais na primeira fase do desenvolvimento. E toda a futura vida adulta será determinada pela qualidade das experiências afetivas desse período.

Amor nada tem a ver com a necessidade por alimentos. Nos experimentos do Dr. Harlow, os macacos preferiam a “mãe” felpuda e confortável à “mãe” de arame exposto e desconfortável, mas que fornecia alimento.

Amor se trata de sentir-se aceito, mesmo com suas diferenças, para escapar da ameaça da solidão – a morte em vida.

Ciência paradoxal: para estudar o amor, o cientista deve deixar de amar e submeter seu “objeto” a crueldades inimagináveis. A Ciência destrói o próprio objeto que pretende estudar.

Como será que foi a primeira infância do Dr. Harry Harlow?

Monkey Love Experiments from ainslie henderson on Vimeo.

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