quinta-feira, dezembro 15, 2016

Pesquisa coloca Brasil entre países mais "ignorantes" do planeta


Certa vez o sociólogo francês Pierre Bourdieu provocou: “a opinião pública não existe”. A pesquisa “Perils of Perception 2016” (Perigos da Percepção) do instituto britânico Ipsos Mori parece confirmar isso: na verdade a opinião confunde-se com percepção, assim como nos telejornais atuais as notícias são confundidas com “sensações”, seja dos jornalistas ou dos telespectadores. O resultado da pesquisa foi a criação do “Ranking da Ignorância” – a distância entre a percepção que as pessoas têm da realidade em que vivem e os dados oficiais de cada país. O Brasil ocupa os primeiros lugares, atrás da Índia, China e EUA. Entre os países menos “ignorantes”, Holanda e Coréia do Sul. Incapacidade de entender estatísticas, preconceito, atalhos mentais, ignorância racional e o “poder das anedotas” das mídias estão entre os fatores apontados pela disparidade entre percepção e realidade. Também há um fator comum entre os países primeiros colocados: o monopólio midiático.

É comum na grande imprensa as palavras “percepção” e “sensação” serem tomadas como sinônimos. Por exemplo, em um telejornal fala-se da necessidade de construir um posto da Polícia Militar na praça de um bairro com altos índices de criminalidade. Segundo o repórter, o posto criaria uma “percepção de segurança” para os moradores.

Ou então fala-se em “sensação de crise” no final do ano quando, na base do olhômetro, o repórter conta o número de pessoas que não carregam sacolas de compras em um shopping.

Ou ainda quando se faz uma rápida enquete com populares em algum calçadão do centro da cidade para confirmar alguma “percepção” sobre qualquer coisa.

Atualmente, notícias se confundem com “percepções” ou “sensações” tomadas como evidências sobre qualquer suposta tendência, crise ou acontecimento. É o que recentemente tem sido denominado de “pós-verdade” – um grande arco que vai do menosprezo por fatos objetivos até a ignorância racional e o efeito Dunnig-Kruger – indivíduos acreditam saber mais do que especialistas por estarem abastecidos por clichês, sofismas e frases prontas.

Porém, percepções não são a realidade. É o que comprova a pesquisa do Instituto Ipsos Mori “Os Perigos da Percepção 2016”, realizada entre os meses de setembro e novembro envolvendo 40 países. O objetivo é demonstrar o quanto as pessoas têm uma interpretação equivocada da sua própria realidade – a diferença entre a percepção (desvalorização ou exaltação de determinados temas que preocupam a sociedade) e os dados estatísticos oficiais de uma determinada realidade.


A partir dos dados coletados, a pesquisa conseguiu traçar o “índice da ignorância”, listando os países cuja percepção é mais distante da realidade.

A Índia aparece em primeiro, seguida por China e Taiwan. O Brasil figura em sexto lugar, após os EUA. Na ponta oposta do índice estão Holanda, Reino Unido e Coréia do Sul.

Aqui o conceito de “ignorância” não implica em falta de inteligência, mas apenas falta de conhecimento ou informação objetiva sobre uma realidade. O objetivo principal da pesquisa é levantar questões sobre o porquê da disparidade entre a percepção e os dados oficiais de cada país.

Os Resultados


Segundo a pesquisa, os brasileiros acham que a população muçulmana no País é muito maior (12%) do que na realidade (menos de 0,1%) – França, no topo, 31% contra 7% na realidade. E se equivocam ainda mais por acreditar que até 2050 que a religião islâmica chegará a 18% da população, enquanto dados reais que chegará no máximo a 1%.

Perguntados sobre a proporção da população que diz ser feliz, os brasileiros falam em 40% enquanto estudos indicam que são 92% aqueles que se consideram felizes.

Brasileiros também se equivocam quanto a proporção da distribuição da riqueza: para os entrevistados, os 70% menos ricos detém 24% da riqueza quando a realidade é muito pior, apenas 9%.

Ainda consideram que o Brasil é mais tolerante do que realmente é. Os entrevistados acreditam que mais de 50% da população acham que a homossexualidade é moralmente aceitável. Mas dados oficiais apontam que só 39% pensam assim.

Ranking de 2015

Quanto ao sexo antes do casamento, os brasileiros sobrestimam o preconceito: acham que 43% não aceitam – quando o dado real é 35%. E o inverso é sobre o tema aborto: acham que 61% devem considerar moralmente inaceitável. Dados reais indicam 79% da população.

              Os dados coletados sobre a percepção dos entrevistados foram confrontados com diferentes fontes de informações oficiais e institutos de pesquisas de cada um dos países.

Bombas Semióticas


Os resultados sobre os Perigos da Percepção do Ipsos Mori confirmam os resultados do atual estágio da engenharia de opinião pública, não mais focada nas estratégias hipodérmicas de repetição e doutrinação político-ideológica do passado, mas agora concentradas na detonação do que o Cinegnose chama de “bombas semióticas” que torna-se instrumento da “Guerra Híbrida” – através da moldagem da percepção por estratégias de “agenda setting” e “espiral do silêncio” criar “climas de opinião” que evoluem para “ignorância racionalizada” através dos clichês de noticiários que confundem notícia com percepção.

Os pesquisadores do Instituto Ipsos Mori apontam para alguns motivos sobre essa discrepância entre percepção e realidade:

(a) Inabilidade com números


Somos particularmente pouco hábeis em lidar com cifras numéricas ou muito elevadas ou muito pequenas – o que afeta nossa capacidade de pensar em, por exemplo, distribuição de renda ou em supervalorizarmos os números sobre gravidez na adolescência, como mostram dados sobre crimes praticada por menores: a percepção é de 70% quando dados oficiais apontam para 20% .


(b) Preconceito e “atalhos mentais”


Tendemos a pegar informações facilmente disponíveis, mesmo que não se encaixem perfeitamente em uma questão.

O sociólogo Pierre Bourdieu já apontava a falácia principal das pesquisas de opinião no texto “A Opinião Pública Não Existe” (clique aqui): partem do pressuposto que qualquer um sempre tenha uma opinião a dar. Na maior parte do tempo, as opiniões são compostas por um conjunto racionalizações, clichês ou frases prontas facilmente disponíveis e sempre repetidas pela estratégia de agenda setting, facilitada pelo contexto de monopólio midiático, como veremos abaixo.

(c) Emotional Innumeracy


Exaltamos ou desvalorizamos determinados temas influenciados por preconceitos e medos difundidos pela sociedade, criando a discrepância entre percepção e estatística – as representações diárias da mídia sobre ISIS arregimentando brasileiros em redes sociais, Oriente Médio e terrorismo levam a uma sobre-valoração dos números do crescimento de muçulmanos e imigrantes no país.


(d) Mídia e o “poder da anedota”


A identificação das notícias com a percepção (seja dos próprios jornalistas ou dos leitores e telespectadores) leva a grande mídia a buscar personagens, narrativas ou histórias exemplares que “comprovem” uma determinada “sensação” ou “clima de opinião” pré-existente: o repórter que fica contando o número de pessoas em um shopping sem carregar sacolas de compras para comprovar a crise econômica;

A história de um adolescente que caiu no crime para fugir da família; história emocionante de luta e dedicação de um empreendedor bem sucedido – o que cria a discrepância com os dados estatísticos oficiais: apenas 1% dos desempregados se beneficiam das políticas públicas de apoio ao empreendedorismo – clique aqui. 

(e) Ignorância Racional


Conceito no qual o custo de adquirir um novo conhecimento excede os benefícios que esse conhecimento traria.

Permanecer ignorante é racional (aqui pensada a racionalidade associada a lei do menor esforço). Principalmente quando há todo um movimento social e midiático de encarar a Política como uma prática em si corrupta, dispendiosa e distante e que, por isso, não traz nenhum benefício individual para o eleitor.

A ignorância seria uma resposta racional a um contexto político em torno de nós, no qual temos a percepção de não termos poder ou controle.


Percepção e monopólio midiático


O ranking da ignorância resultante da pesquisa Perils of Perception chama atenção para um detalhe final, porém decisivo: os seis países nas primeiras colocações (respectivamente Índia, China, Taiwan, África do Sul, EUA, Brasil) apresentam uma situação de monopólio, controle e censura midiáticas.

Apesar de variedade de dialetos, diferenças culturais e regionais e um sistema midiático aparentemente vibrante e pluralista, a Índia oferece um excelente estudo de caso sobre o poder da comunicação e softpower com Bollywood no cinema e a Sun TV na produção televisiva, como aponta Daya Kishan Thussu no livro Communicating India’s Soft Powerclique aqui.

Na China o controle e censura em relação as novas mídias fechando jornais on line independente e o controle dos conteúdos pelo Partido Comunista. Chegando, inclusive a proibir filmes sobre viagens no tempo – o Cinegnose já discutiu o porquê, clique aqui.

Na África do Sul temos o amplo domínio da Naspers que controla 23 revistas (incluindo as mais lidas da imprensa cor-de-rosa), sete diários e o gigante da televisão por assinatura DSTV. Com mais de um século de existência, esta multinacional da África do Sul vende serviços em mais de 130 países. Incluindo o Brasil (com participação na editora Abril), a China - associada da Tencent, de serviços de Internet e telefonia.

Nos EUA seis corporações, os chamados “Big Six”, controlam a mídia: Time WarnerWalt DisneyViacomRupert MurdochCBS Corporation e NBC Universal. Absolutamente dominam notícias e entretenimento.

Pior é no Brasil. Apenas as organizações Globo detém o monopólio das comunicações sob a estratégia da chantagem política (atualmente associada ao Poder Judiciário – Polícia Federal e Ministério Público) e controle do mercado publicitário mediante o BV – bônus por volume, propina paga às agências de publicidade que nela anunciam.

Além dos motivos apontados acima, certamente o monopólio dos meios de comunicação é a condição principal para se criar os três fatores que resultam em um “clima de opinião” ideal para moldar definitivamente a percepção da esfera pública: acumulação, consonância e onipresença midiática.

Fonte: DUFFY, Bob. "Perils Of Perception", Ipsos View, March, 2016 - clique aqui


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