sábado, março 11, 2017

A fronteira final: neoliberalismo vai ao espaço com Elon Musk


“O Espaço, a fronteira final...”. Os leitores devem conhecer a introdução dos episódios da série Jornada nas Estrelas. Mas dessa vez, não teremos o Capitão Kirk ou o Sr. Spock. Mas o jovem empresário Elon Musk que promete com a empresa SpaceX levar turistas para dar volta na Lua e colonos para Marte e além. Cientistas e operadores de Wall Street o qualificam como alguma coisa entre “fraude” e “máquina de queimar dinheiro”, embolsando verbas públicas enquanto faz intrincadas manobras societárias com suas empresas como a Tesla Motors e a SolarCity. Em muitos aspectos lembra a trajetória do ex-oitavo homem mais rico do planeta, Eike Batista. Mas a retórica de Musk enche os olhos da grande mídia: é o “Tony Stark da vida real”, pronto para provar como os velhos valores do capitalismo (competição e mercado) podem ser combinados com economia sustentável e “tecnologias limpas” do século XXI. Ele promete levar o neoliberalismo à última fronteira. Mais do que ninguém, Elon Musk sabe como são voláteis as fronteiras entre a especulação do mundo das finanças e da mídia.

Era 1999 e o sistema digital de pagamento PayPal estava apenas começando. Elon Musk, um dos fundadores da empresa, tinha adquirido um McLaren F1 de 3,5 milhões de dólares. Convidou seu sócio Peter Thiel para dar uma volta.

“E então, do quê esse carro é capaz?”, desafiou Peter.

“Vou te mostrar, veja isso!”, alertou Musk.  Em poucos minutos o carro decolou do chão em pirueta para ser destruído numa violenta batida em um aterro ao lado de uma estrada na Califórnia.

Musk saiu do carro dando gargalhadas: “Sabem o pior de tudo? O carro nem tinha seguro...”.

Para o ativista digital Andrew Atterheimer esse singelo episódio pessoal pode ser um presságio para os negócios de Elon Musk. Segundo ele, a trajetória do empresário visionário e de grande sucesso (conhecido como o “Tony Stark da vida real”) lembra em muitos pontos a trajetória do ex-oitavo homem mais rico do mundo, o empresário brasileiro Eike Batista, que se converteu “no maior destruidor de riquezas que já existiu” – clique aqui.

Musk começou no cenário especulativo  do boom das empresas “ponto com” na virada de século e partiu para novas ambições como automóveis (Tesla Motors), energia solar (SolarCity), espaço (SpaceX) e transporte público (Hyperloop). Como Eike Batista, Musk não tem conhecimento especializado para leva-lo a esses empreendimentos – apenas o charme para convencer investidores e, principalmente, gigantescas infusões de dinheiro público.


Celebrado pela mídia


Também como Eike Batista, Musk é celebrado pela grande mídia e pelo mercado como um “modelo para jovens empreendedores”, “visionário”, “o sucesso focado no trabalho” e assim por diante dentro do ideário meritocrático – alguém que conseguiu combinar os velhos valores do capitalismo (competição e mercado) com os novos valores do século XXI (economia sustentável com carros elétricos e painéis solares que salvarão o meio ambiente).

Mas enquanto Musk ocupa estrategicamente a mídia com declarações de impacto, como, por exemplo, afirmar em eventos com filósofos e físicos que o Universo é uma simulação de computador, a realidade financeira do mercado é outra: Tesla Motors está condenada ao fracasso com o sucesso do Uber no transporte pessoal e o Google – muitos passos à frente com os veículos autônomos.

Além de Musk criar crescentes conflitos de interesses em seus negócios como a Tesla (CEO: Musk) adquirir a SolarCity (da qual é presidente e seu primo CEO) as quais são detidas pela SpaceX. Mas tudo isso é encoberto pelas visões futuristas sobre a sinergia de casas alimentadas por painéis de energia solar que abastecerão as baterias de um carro Tesla na garagem.

ETs sabotaram foguete de Elon Musk?


Agora, depois de querer transformar o planeta com a energia sustentável, Musk pretende tornar a humanidade uma civilização multi-planetária – com a SpaceX colonizar Marte e enviar para o ano que vem duas pessoas em uma viagem turística em torno da Lua. Ele fala que duas pessoas já fizeram “um depósito significativo” para o empreendimento.

A investida de Musk na construção de motores e foguetes é acompanhada por declarações bombásticas na mídia que incendeiam o imaginário sci-fi: a possibilidade de um OVNI ou ETs terem sabotado o foguete Falcon 9 que explodiu na plataforma de lançamento no ano passado; de que “vivemos em uma simulação de computador” ou ainda dizer que “alienígenas vivem entre nós”. Mas tranquiliza: “eu não sou um deles...”.

E ainda desafia com insinuações conspiratórias: “farei o que a NASA não teve coragem de fazer, ou não pode”.

Como um bom personagem de si mesmo que sabe muito bem como o mundo financeiro especulativo está visceralmente ligado com a mídia, os projetos visionário de reacender o cenário de corrida espacial surge num momento em que, paradoxalmente, Musk ganha dinheiro com a queda das ações da Tesla Motors. Analistas econômicos como Philip Van Doorn (Marketwatch) advertem os investidores sobre a “diluição épica” da Tesla enquanto a revista Fortune reuniu comentários de várias firmas de Wall Street como Barclays, Deutschbank e Oppenheimer de que Musk seria “uma máquina de queimar dinheiro” – clique aqui.


Rumo a Marte


Elon Musk promete levar a humanidade para Marte a um preço bem abaixo dos atuais 10 bilhões de dólares por pessoa – fala em reduzir para US$ 200 mil por pessoa numa inédita parceria público (NASA)/privado (SpaceX) prevendo uma demanda próxima de 1 milhão de pessoas querendo ir ao planeta vermelho, colocando 100 passageiros em cada voo.

Essa retórica de Musk soa como música para a agenda neoliberal midiática: é a prova da eficiência da iniciativa privada sobre a burocracia e ineficiência de uma agência pública como a NASA. A iniciativa privada finalmente preencherá a lacuna do Estado e levará o homem para onde jamais esteve...

Para além da retórica midiática que alavanca as ações de suas empresas (fazendo Musk ganhar dinheiro nas altas e baixas das intrincadas operações societárias), no campo da ciência a realidade é mais dura.

Para o proprietário da Aerospace Eng & MFG Consultant, Allen Hall, uma viagem no espaço profundo é uma luta pela sobrevivência 24 horas/7 dias da semana, no limite da tecnologia. Primeiro, a taxa média de falha de foguetes é de 5%, mesmo depois de 70 anos de investimento contínuo. Foguete é uma explosão controlada. Quem entraria em um carro com 5% de chances de explodir? Foguetes são máquinas com pouca margem de segurança, desenhados para funcionar no extremo da resistência dos seus componentes.


Em 70 anos, tudo que os cientistas conseguiram foi fazer os foguetes explodirem com menos frequência numa tecnologia que fundamentalmente é a mesma dos foguetes nazistas V2 da Segunda Guerra Mundial.

Propulsão iônica foi testada em 1998 pela NASA com a sonda espacial Deep Space I. O resultado foi uma aceleração muito inferior, embora mais econômica.

Viagem espacial é questão de eficiência


Além disso, nada mais pesado do que um ônibus escolar foi enviado ao espaço. A construção da Estação Espacial Internacional (ISS) levou 15 anos e mais de 100 lançamentos. O envio de 100 pessoas a Marte de uma vez, para tornar economicamente viável a missão, exigiria lidar com mais de 100 foguetes no lançamento... com a margem de 5% para cada foguete explodir na plataforma. Ou ainda sob a ameaça de alguma ação terrorista de um determinado ET, como teme Elon Musk...

O auge do sucesso em tecnologia espacial foi o foguete Saturno 5 que levou o programa Apollo à Lua nos anos 60-70. Desde então os custos para orbitar em torno do planeta dispararam, encolhendo as missões espaciais a uma fração do que foi feito no passado. Agora, empresas privadas se debatem com uma tecnologia desenvolvida há 50 anos – com uma retórica de que a questão da viagem espacial não é apenas tecnológica, mas de gestão e eficiência competitiva.

Com esse discurso, Musk enche os olhos da grande mídia enquanto embolsa lucro e queima dinheiro público: mais de um terço dos recursos da SpaceX dependem das verbas públicas da NASA.

Além do que a colonização do espaço não tem nenhum sentido econômico, a não ser o senso de realização e conhecimento. Em comparação, todos os recursos são mais baratos na Terra: o espaço oferece muito pouco para o que já temos em abundância.

Abandonar o planeta Terra por causa de alguma catástrofe ambiental ou guerra nuclear? Não importa quão ruim seja a vida na Terra, será sempre um paraíso perto da Lua cinza e fria e as planícies congeladas e desoladas de Marte.

No final, mesmo que a SpaceX consiga a façanha inacreditável de colocar 100 colonos em Marte (e até mesmo dois turistas dando voltas na Lua), terão que lutar pela sobrevivência 24 horas por dia, sem tempos para fazer turismo ou mesmo pesquisas científicas.

Biosfera 2, Tucson, Arizona

Destino Biosfera 2


Terão o mesmo destino dos intrépidos cientistas do Projeto Biosfera 2 de 1991: quatro homens e quatro mulheres entraram numa gigantesca estrutura geodésica de vidro e metal com 12.000 metros quadrados, em Tucson, Arizona, em pleno deserto, para ali ficarem trancafiados por dois anos.

A NASA apoiou o projeto privado pensando em simular a situação de futuros colonos em planetas distantes. Todo o oxigênio e alimentos seriam produzidos no interior da redoma, sem qualquer contato com o mundo externo.

O resultado foi catastrófico: ao invés de fazerem pesquisas científicas, os 8 cientistas tiveram que lutar pela sobrevivência contra ácaros e gafanhotos devorando as plantações e a proliferação de ervas daninhas, formigas e... baratas! Com a taxa de oxigênio caindo dramaticamente o grupo teve que ser socorrido para salvá-los da morte eminente.

Tudo o que restou do Biosfera 2 foi a transformação da gigantesca redoma em atração turística, além de ter sido a inspiração do reality show Big Brother – sobre isso clique aqui.

O que será também o destino dos projetos do bilionário Elon Musk, depois que a grande mídia perceber o deserto do real por trás da aventura neoliberal no espaço e trocar de personagem – quem sabe, buscar um novo Tony Stark da vida real.

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