Curta da Semana: "Working With Jigsaw" - Como se vingar do chefe com jogos mortais

A franquia “Jogos Mortais” acabou e o pequeno fantoche Jigsaw teve que se virar e arrumou um emprego em um escritório como qualquer mortal. Mas velhos hábitos são difíceis de esquecer. E Jigsaw inferniza os seus colegas de trabalho com mais jogos “mortais”, dessa vez com ameaçadores post-its, fitas adesivas, pop ups pornográficos saltando em telas de computadores e mouses com alfinetes... Esse é o impagável argumento do curta “Working With Jigsaw”(2016) no qual o sádico fantoche vinga-se dos seus chefes que acusam seus jogos de diminuir a “produtividade” e “sinergia” da empresa. Um curta que suscita uma interessante analogia: como os jogos das relações humanas corporativas muitas vezes podem ser tão sádicos e arbitrários quanto os do filme “Jogos Mortais”.

O leitor deve lembrar do fantoche mais astuto do mundo da franquia de terror Jogos Mortais: o pequeno Jigsaw que pedala um triciclo e dá voz ao serial killer cujo aspecto mais marcante é sempre proporcionar a suas vítimas a escolha entre a vida e a morte para fazer os participantes de seus jogos macabros valorizarem a vida que têm.

No curta Working With Jigsaw (2016), o diretor Chris Capel imaginou o que aconteceria com o fantoche assassino depois que a franquia terminasse e fosse compulsoriamente aposentado. Certamente, como a maioria de nós, teria que se conformar com um trabalho qualquer para sobreviver.

E Jigsaw arruma um emprego em um escritório corporativo mas... velhos hábitos são difíceis de esquecer. E seus colegas de trabalho vão descobrir que não é assim tão bacana trabalhar com uma celebridade hollywoodiana. Principalmente de uma das franquias de terror mais bem sucedida.

O curta abre com Jigsaw numa atividade bem aborrecida: apontar uma série de lápis – parece que a turma do escritório não aguenta mais os jogos do fantoche e tentam isolá-lo em um canto da empresa.

Mas Jisaw não se contém e propõe um jogo “mortal” impagável com a colega “Janiiiiiieeeeee!” – Ela terá que fechar mais de 500 pop ups pornográficos que pulam na sua tela infectada por um vírus com coisas bizarras como: “você dormiria com um simpatizante do nazismo?” ou “minha esposa está morta: e isso me superexcita...”. O mouse para tentar fechar cada janela que continua pulando é “mortal”, repleto de alfinetes. E o cara do TI, pelo qual Janie está apaixonada, está se aproximando da sua mesa. Ela terá poucos segundo para decidir o que fazer!

A graça do curta está nesses pequenos detalhes, como o do homem do elevador coberto com post–its, todo enrolado com fita adesiva e com luvas de boxes para dificultar o trabalho de se libertar. O homem parece ser mais uma vítimas dos “jogos mortais” de escritório do Jigsaw.

A chefia está preocupada: toda vez que Jigsaw propõe os seus jogos sádicos, a produtividade e a sinergia do escritório caem. Chamam Jogsaw para uma conversa a portas fechadas, mas... ele vai propor mais um jogo. Dessa vez cínico e irônico.

Jogos mortais e jogos corporativos

Working With Jigsaw propõe um interessante paralelo: os jogos mortais da franquia de terror com os jogos corporativos, que muitos vezes são tão sádicos e arbitrários quanto os da série do cinema.

Muitos pesquisadores como Richard Sennet (O Declínio do Homem Público) e Christopher Lasch (Cultura do Narcisismo e O Mínimo Eu) já dissecaram as mudanças das estruturas do mundo do trabalho sob o Capitalismo. Cada vez menos o sucesso do indivíduo nas estruturas corporativas depende do “saber fazer” (a capacitação profissional, a proficiência, o currículo, a titulação acadêmica etc.) e muito mais de um eufemismo chamado “inteligência emocional” – conjunto de características emocionais, psíquicas ou de personalidade que favorecem a capacidade de adaptação às condições cada vez mais flexíveis e mutantes do trabalho.

O resultado é um ambiente de “regras invisíveis” que nada têm a ver com capacitação profissional dos funcionários (ou eufemisticamente chamado de “colaboradores”): sem relação com a práxis os sistemas tornam-se fechados em si mesmos, autopoiéticos - tipos de sistemas que são cegos em relação ao que lhe é exterior, ou seja, o mundo exterior não seria nada mais do que um produto secundário da auto-referência produzida. Em outras palavras, o mundo externo somente é representado a partir de uma descrição que o sistema faz de si mesmo (veja LUHMANN, Niklas. A Realidade dos Meios de Comunicação, São Paulo: Paulus, 2005). 

Da práxis passamos para o jogo, tomado não no sentido lúdico, mas perverso: regras que existem não para tornar mais eficiente a realização de uma finalidade original (satisfação de clientes ou produção de bens e serviços), mas para auto-reprodução do sistema como fim em si mesmo.

Jogos muitas vezes tão perversos como os de Jigsaw. Não mais mortais no sentido físico, mas psíquico através da introjeção da culpa pela derrota: a culpa será sempre a suposta falta de determinação e foco do indívíduo, e jamais a arbitrariedade das situações criadas pelos jogos de RH para aferir a “inteligência emocional” dos “jogadores”.

O fenômeno da “gameficação” da realidade parece ser um sintoma dessa tendência das organizações: programas de simulações de negócios para treinamento ou recrutamento significariam que a própria organização já se tornou um “game” tal qual um reality show monitorado por psicólogos de Recursos Humanos que avaliam não a qualidade na produção de bens ou serviços reais, mas a performance individual em função de regras invisíveis de um jogo cada vez mais abstrato ou “autopoiético”.

Mas Jigsaw vinga-se ao final do curta: seus chefes reclamam que seus jogos não colaboram com a “sinergia” (seja lá o quê isso significa). Então, o fantoche propõe mais um “jogo mortal” para prendê-los na empresa. Sem conseguirem voltar para casa, serão obrigados a aumentar a produtividade corporativa...

Legendas disponíveis em português: "CC" - "settings" - "subtitltes" e "portuguese (Brazil)".

Ficha Técnica

Título: Working With Jigsaw

Diretor: Chris Capel

Roteiro: Chris Capel, Richard Price

Elenco:  Hannah Barefoot, Scoot Beehner, Chris Capel

Produção: Handle Bar Mustache Land

Distribuição: Handle Bar Mustache Land

Ano: 2016

País: EUA

Posted in: Audiovisual, Cinema Americano, Ironia, Pós-Moderno, séries