segunda-feira, setembro 06, 2010

Remake de "O Prisioneiro" adapta-se à Agenda Tecnognóstica

O canal AMC nos EUA fez um remake da cultuada série britânica dos anos 60 "O Prisioneiro". Sinal dos tempos: se naquela época a série refletiu o clima dos tempos da Guerra Fria e das distopias como "1984", o remake atual apresenta os sintomas do neo-liberalismo e da utopia tecnognóstica por meio da privatização do controle social e das técnicas das neurociências que pretendem mapear e fazer uma cartografia da mente. Atenção: essa postagem possui spoilers.

Há 40 anos estreava uma série transmitida pela televisão britânica que combinava espionagem, ficção científica e drama psicológico. A cultuada série “O Prisioneiro” contava a estória de um homem que, após entregar uma carta de renúncia ao que seria um alto cargo no serviço secreto do governo britânico em plena Guerra Fria, é seguido até sua casa. Através do buraco da fechadura é introduzido um gás branco que o faz dormir. Ao acordar, está em outro lugar, uma vila litorânea, cheia de gente feliz desfrutando uma vida repleta de atividades recreativas. Logo descobrirá que é uma prisão onde ninguém tem nome, apenas números. O seu é número seis.

No ano passado o canal AMC (American Movie Classics) nos EUA fez um remake dessa série, ironicamente em seis episódios. Se “O Prisioneiro” dos anos 60 apresentava a atmosfera das distopias de pós-guerra como "1984" de George Orwell ou "Farenheit 451" de Ray Bradbury (Governos totalitários e estados policiais vigiando, controlando e punindo o indivíduo que transgride sistemas, aqui a série sofreu duas importantes adaptações aos novos tempos:

Primeiro, não temos mais um sistema de controle estatal. Todo o controle e dominação foi privatizado e está a cargo de uma empresa de mineração de dados chamada Summakor. Um novaiorquino chamado Michael (James Caviezel) pede demissão dessa empresa de uma forma ostensiva e desafiadora (como vemos nas imagens dos créditos iniciais, onde aparece o protagonista pichando “Resign” numa divisória de vidro do escritório, para escândalo dos funcionários). Logo depois, ele acorda num deserto, sem saber como veio parar ali. Ele é levado para um lugar chamado A Vila onde ninguém tem nomes, apenas números, e todos o chamam por Seis, como se lá morasse há muito tempo. Aos poucos descobre que possui um irmão e que trabalha como motorista de ônibus turístico. Micheal vê-se numa situação surreal, pois se lembra de quem era em Nova York.

Número Dois (o governador daquele lugar - Ian McKellen), diz para ele que A Vila é a única realidade e que para além dos seus limites nada existe, a não ser o deserto. Portanto, a missão de Michael é encontrar uma saída para retornar a sua vida em Nova York. A Vila possui uma atmosfera que lembra muito O Show de Truman: tudo é a-histórico (a arquitetura das casas, o design dos automóveis, as roupas dos habitantes etc). Um enorme pastiche de estilos de épocas diferentes criando um conjunto lógico a-temporal.

Segundo: ao contrário da série original, essa adaptação apresenta uma explicação final sobre o propósito da Vila e o porquê de Micheal ter parado lá. Após os seis episódios com muitos flash backs da última noite de Micheal, em seu apartamento em Nova York na companhia da enigmática Lucy, colega de trabalho na Summakor, chegamos à revelação ensaiada ao longo da série: Summakor não era apenas uma empresa de mineração de dados: mais do que isso, uma gigantesca empresa de engenharia social. A Vila fazia parte de uma experiência de tecnologia de controle social.

A agenda Tecnognóstica

A adaptação de 2009 de “O Prisioneiro” encaixa-se claramente na agenda tecnológica desse início de século. Se na era da Guerra Fria o grande tema era discussão sobre estados totalitários que esmagavam a liberdade individual (herança dos estados nazistas e stalinistas), agora a agenda se concentra nas tecnologias do espírito (neurociências, neuromarketing, neurolinguística, memética etc.) e na aplicação sócio-política dessas pesquisas puras: a engenharia social.

Em postagens anterioras vimos que essa agenda vem influenciando os argumentos e roteiros de filmes como “A Origem”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “Vanilla Sky”: narrativas que dramatizam as novas experiências de controle social a partir do mapeamento da mente, onde a vida mental é representada por uma cartografia e topografia, revelando mundos imaginários dentro dos quais se encontram personagens que tentam manipulá-los.

“O Prisioneiro” de 2009 claramente se sintoniza com essa tendência: A Vila é mais um desses lugares imaginários, uma cartografia da vida mental feita pela Summakor para “consertar pessoas quebradas” como fala o personagem Dois. A partir da indução por drogas pesadas, a Vila é a construção de uma “alucinação consensual” (definição que o escritor William Gibson deu para o ciberespaço) para onde são enviados os egos de pessoas disfuncionais à ordem social (paranoicas, violentas, deprimidas etc.). Lá vivem numa vila em tons pastéis dentro de uma rotina idílica, simples e inocente.

Michael se insurge contra a Summakor (“nenhuma dessas pessoas pediram para ser consertadas”, diz indignado para número Dois). Ele é mais uma das “pessoas quebradas”, um funcionário insurgente da mega empresa que vigia a todos na busca de comportamentos disfuncionais que necessitem ser enviados à Vila para serem “consertados”.

Simbolismos Gnósticos

Paranóia, pessoas que despertam em mundos paralelos, demiurgos que criam e mantém lugares que aprisionam pessoas que perderam suas memórias. “O Prisioneiro” trabalha com temas clássicos do filme gnóstico. Porém, dois temas da simbologia gnóstica são explorados em profundidade: o papel da mulher (a personagem mítica de Sophia) e a representação distópica da reencarnação (representada pela existência da Vila).

Toda a infra-estrutura da “alucinação consensual” da Vila é criada a partir do material psíquico de M2, esposa de Dois, governador, demiurgo e, na vida real, neurocientista. Junto com sua esposa (ambos formados no MIT – Massachusetts Institute of Technology) criaram a engenharia social da Summakor. Tal como na simbologia gnóstica, Sophia dá vida ao mundo criado por formas etérias e vazias do Demiurgo. Aprisionada nesse cosmos material, a ascensão de Sophia para as dimensões elevadas deverá ser o caminho pelo qual o homem deverá também trilhar (a gnose).

A Vila em “O Prisioneiro” é o próprio simbolismo da natureza regressiva e aprisionadora da reencarnação para o Gnosticismo. Os egos das pessoas “quebradas” chegam à Vila sem lembranças de sua vida “terrena” (com exceção de Michael, que fará de tudo para escapar). Essa é a condição inicial para o tratamento: assim como na reencarnação onde sempre somos condenados a partir do zero, esquecendo-se das outras existências, os habitantes da Vila deletam suas existências e problemas psíquicos para viverem uma vida conformista de uma típica cidade interiorana. Para a engenharia social da Summakor (e para o Demiurgo na mitologia gnóstica) essa é a terapia ideal para, a partir do esquecimento, realizar o eterno retorno da existência na prisão do cosmos material.

Embora a adaptação do canal AMC de “O Prisioneiro” se insira nessa agenda tecnognóstica atual, seu viés é bem mais crítico. Ao contrário de “A Origem” de Christopher Nolan que faz uma apologia das neurociências ao apresentar a heroica luta do protagonista contra as projeções do seu próprio subconsciente, em “O Prisioneiro” o amargo e irônico final nos faz lembrar a máxima de Stephen King no livro “A Tempestade do Século”: “O inferno é a repetição”.

Créditos
  • Série: O Prisioneiro
  • Direção: Nick Hurran
  • Roteiro/adaptação: Bill Galagher
  • Elenco: James Caviezel, Hayley Atwell, Ruth Wilson, Ian McKellen
  • Produção: Granada Internacional, ITV Productions
  • Distribuição: AMC (American Movie Classics)
  • País: EUA
  • Ano: 2009

Trailer de "O Prisioneiro"



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sexta-feira, setembro 03, 2010

Drogas, Discoteca e 3D: a materialização pop do místico e do sagrado

Dos primeiros espaços sensoriais multimídia das discotecas dos anos 70 ao cinema 3D da atualidade, acompanhamos a materialização neo-platônica de toda uma dimensão metafísica mística e sagrada: a materialização de todos os simbolismos arquetípicos da espécie diante dos nossos sentidos por meio da convergência das mídias para as tecnologias digitais. Qual o destino da milenar aspiração mística e religiosa por transcendência num ambiente altamente tecnologizado sob o controle de grandes corporações?


Em uma aula da disciplina Comunicação Visual na Universidade Anhembi Morumbi discutia com meus alunos as referências visuais de cada década. Em relação aos anos 70, apresentava as referências visuais da Disco Music: moda, comportamento e, principalmente, os espaços multi-sensorias que eram as discotecas. Luzes estroboscópicas, pistas de dança com luzes em movimento criando formas geométricas randômicas, gelo seco etc. Em termos de comportamento, sabemos que, ao longo das décadas as drogas acompanham cada tendência dentro da cultura pop. Na era da Disco Music acompanhamos a decadência das drogas lisérgicas e a ascensão das drogas "speed" como a cocaína. Diante de tanto estímulo sensorial, o importante era ficar ligado e dançar a noite inteira.

Um aluno levantou uma consideração importante: em ambientes como a discoteca já não eram mais necessárias as drogas lisérgica: os aparatos multisensorias já reproduziam os efeitos das viagens dos ácidos. Portanto, o mais importante era se manter ligado para estender a “viagem” promovida pela tecnologias sensoriais.

Essa talvez seja a questão crucial para entendermos o porquê da decadência das drogas lisérgicas e a ascensão das drogas “speed” (da cocaína ao ecstasy) que acompanhou as sucessivas tendências em moda e comportamento das últimas décadas. E mais do que isso. Nesta questão está embutida outra: se no estado alterado de consciência do lisérgico já estava presente a possibilidade de experiências místicas ou religiosas, será que a motivação secreta das tecnologias sensoriais e multimídia não seria a da materialização dessa possibilidade de uma forma mercantilizada e controlada? Em outras palavras: a virtualização das experiências místicas e religiosas através de uma catarse tecnológica multimídia.

No final de sua vida o neurocientista norte-americano Thimoty Leary (considerado o guru do LSD nos anos 60) já acreditava que os softwares dos computadores iriam substituir o LSD como meio indutor a estados alterados de consciência. Para ele, a televirtualidade era a palavra chave: com capacete e luvas de velcro, “smart drugs” na cabeça e programas que convertam na tela as ideias presentes no cérebro teríamos a libertação psíquica onde cada indivíduo criaria sua própria realidade.

Não é mera coincidência acompanharmos o crescimento das smart drugs paralelo ao desenvolvimento das tecnologias computacionais e virtuais, dos espaços multisensoriais de entretenimento (das danceterias habituais às raves) e da música eletrônica cujos artistas fazem constantes associações entre o som, transe e esoterismo new age.

Essa parece ser a essência da tecnognose: por meio do desenvolvimento de uma tecnologia que busca aprimorar a derradeira interface (as conexões entre as redes neuronais e redes eletrônicas), criar uma espécie de atalho para a aspiração sagrada por transcendência. Sob o pretexto de que as tecnologias oferecem um canal mais “limpo” e menos “químico” do que as drogas lisérgicas, a tecnognose cria as condições para o solipsismo (onde cada indivíduo cria seu próprio horizonte narcísico de experiências) e, ao mesmo tempo, favorece o controle por meio de sistemas de vigilância.

Materialidade das Imagens

Todas as tecnologias de produção de imagens, do cinema ao audiovisual, irão acompanhar esse movimento de materialização da experiência do místico e do sagrado. Por exemplo, no cinema acompanhamos uma profunda alteração no próprio dispositivo cinematográfico.

Com a evolução dos recursos digitais, croma key etc., progressivamente o cinema ou a própria câmera estão se desconectando da realidade. Se no passado, o dispositivo cinematográfico partia do objeto real (atores, cenografia, iluminação etc.), hoje, cada vez mais, prescinde de um referencial “realista”. Todos os recursos digitais de edição, montagem, efeitos especiais, na medida em que se virtualizam, estão cada vez mais materializando o imaginário (mitologia, fantasias etc.). O espectador tem, à sua frente, a transformação em imagens de todos os mitos, sonhos e fantasias.

Recursos tecnológicos aprimorados como o 3D ajudam a materializar todo um universo arquetípico do nosso inconsciente coletivo. Se no passado, era necessário a ascese, a disciplina da meditação, o domínio de técnicas e filosofias herméticas ou a indução a experiências místicas por meio de drogas pesadas, agora tudo o que buscávamos por meio desses instrumentos se materializa diante de nossos olhos numa tela.

Enquanto nossos corpos jazem inertes na poltrona confortável de um multiplex, nossos olhos veem a materialização das nossas aspirações arquetípicas.

Portanto, qual o destino de toda a dimensão metafísica do sagrado e da transcendência num contexto tecnológico multimídia? Se testemunhamos uma era neo-platônica onde toda a metafísica se materializa não só para nossos olhos, mas, cinestesicamente, para todos os sentidos, qual o destino da experiência do místico e do sagrado?

Toda a euforia de Thimoty Leary, que via nas tecnologias computacionais uma estrada de libertação psíquica, o fazia desprezar um importante detalhe: as grandes corporações que, afinal, detém o monopólio tecnológico do desenvolvimento e fabricação dos softwares e hardwares.

Se o futuro do cinema aponta para o fim do próprio suporte (a película) substituído por arquivos digitais transmitidos em streaming para as salas de projeção (realizando a convergência de todas as mídias às tecnologias computacionais), temos, então, a perigosa tendência da concentração midiática em poucos gigantes corporativos.

Na medida em que todo o material simbólico arquetípico (sonhos ou aspirações por transcendência da espécie) for materializado para fins de pura catarse ou entretenimento a transcendência se perderá na imanência: o controle político e social das grandes corporações. Ou, colocado de outra forma: se as drogas pesadas e lisérgicas podiam produzir não a transcendência ou iluminação, mas a dependência e auto-destruição, da mesma forma a materialização das imagens pode criar uma progressiva dependência viciosa de formas de entretenimento patrocinadas por um sistema sócio-político que a própria motivação mística e sagrada procurava transcender.

quinta-feira, agosto 26, 2010

O Gnosticismo Alquímico de Nikola Tesla

Em O Grande Truque (The Prestige, 2006), Christopher Nolan rende homenagem ao misterioso e controvertido cientista Nikola Tesla com uma performance memorável do gnóstico pop David Bowie. Tesla talvez tenha sido o último dos cientistas alquímicos, cuja tecno-utopia era redimir a matéria ao criar uma tecnologia fundamentada em princípios holísticos e alquímicos que conduziria a uma forma de energia livre e gratuita para a humanidade. Pagou o preço disso ao ter seu nome banido da história da Física e morrido no esquecimento.

Em postagem anterior sobre o filme “A Origem”, falávamos da surpresa de o diretor Chistopher Nolan , após filmes críticos e com sabor gnóstico como “Amnésia” e “O Grande Truque”, cair sob o fascínio das neurociências. Discutíamos que o protagonista Cobb não está interessado em iluminação ou qualquer tipo de reforma íntima.

Ele apenas procura deletar sua culpa, materializada nas insistentes projeções do seu subconsciente que atrapalham a sua missão corporativa e pessoal (voltar para seus filhos). Daí a surpreendente postura acrítica de Nolan diante das tecnociências contemporâneas.

Essa discussão fez-me lembrar de outro filme dirigido por Christopher Nolan, “O Grande Truque” (The Prestige, 2006) e, principalmente, do personagem histórico e misterioso cientista e físico Nikola Tesla, performado pelo gnóstico pop David Bowie nesse filme.

A figura controvertida e polêmica de Tesla é lembrada por um grande arco de discussões que vai desde as Teorias Conspiratórias (as aplicações militares das suas invenções e experiências pelo governo dos EUA e sua misteriosa morte quando seu arquivo com suas anotações e projetos estranhamente desapareceram) até as discussões sobre as possíveis relações entre tecnologia e motivações místicas (no auge da sua carreira, Tesla começou a lidar com noções teosóficas da ciência védica).

Mas, acompanhar sua trajetória (muitos afirmam que suas descobertas teriam sido mais importantes que as de Einstein) é perceber o desparecimento de um tipo de concepção da ciência e tecnologia de cunho alquímico, que progressivamente, no século XX, deu lugar à tecnognose cabalística, identificada com códigos de controle e exclusão.

Uma Física Alquímica
“Através do século XIX, símbolos e práticas em torno da eletricidade mantiveram acesa a chama da velha Alquimia. O vitalismo elétrico e os transes magnéticos mantiveram vivo o espírito do animismo em plena era do mecanismo. Comunicação elétrica, a fotográfica captura das ondas de luz, e a descoberta do espectro eletromagnético ajudaram a dissolver o mundo do materialismo atomista no interior de um universo de vibrações incorpóreas. Mas a eletricidade e o espectro eletromagnético também materializaram a mais prometéica e tecno-utópica dimensão da mentalidade alquímica.”(DAVIS, Erik. Techgnosis. London: Serpents Tail, 2004, p. 84.

Em pleno século do paradigma do mecanismo, a descoberta dos fenômenos da eletricidade e do eletromagnetismo acenderam a imaginação científica prometéica e alquímica. Esses fenômenos de natureza etéria e imprevisível ameaçaram quebrar o paradigma cabalístico da ciência mecanicista, marcada pelas ideias de confinamento, especialização, abstração, controle e segregação. Em outras palavras, uma certa visão de que a matéria seria algo disforme, necessitando de uma codificação abstrata fornecida pela ciência (números, cálculos etc.) para criar ordem, hierarquia, direcionamento, tudo sob o controle de uma elite esclarecida.

O sérvio Nikola Tesla (nascido em 1856 na Croácia) talvez tenha sido o mais prometéico dos cientistas que lidaram com esses fenômenos que fascinaram a imaginação popular na virada de século. Tesla chegou à América em 1884, sem um tostão no bolso e com uma ideia na cabeça: duas bobinas, posicionadas em ângulo reto e alimentadas com uma corrente alternada com noventa graus de fase entre sí fazendo um campo magnético girar, sem a necessidade do comutador utilizado em motores de corrente contínua. Era a descoberta da Corrente Alternada (AC), superior tecnologicamente a Corrente Contínua de Thomas Edison. A vantagem era a possibilidade de transportar a eletricidade a longas distâncias.

Na verdade, essa “ideia” de Tesla surgiu como uma imagem completa na sua cabeça na juventude. Tesla era avesso a papéis e arquivos, evitava-os o máximo possível. Seu raciocínio científico era analógico e intuitivo. Era contrário aos métodos dedutivos ou indutivos: "No momento em que uma pessoa constrói um aparelho para levar a cabo uma idéia crua, ela se encontra inevitavelmente envolvida com os detalhes deste aparelho", Tesla escreveu em sua autobiografia. "Conforme ele procede em tentar melhorar e reconstruir o aparelho, sua força de concentração diminui e ele perde de vista o Grande Propósito".

Esse ponto de partida alquímico estruturou toda sua visão sobre o propósito da ciência e tecnologia. Da ideia da AC, Tesla partiu para intensas pesquisas no laboratório de Colorado Springs, financiado por George Westinghouse. Mas Tesla queria ir além dos interesses econômicos monopolistas dos seus financiadores. Ele vislumbrava não mais a eletricidade confinada em fios e ordenada por sistemas de distribuição, mas livre para todos, a eletricidade sem fios, transmitida por ressonância através da atmosfera e do próprio planeta! Energia de graça para todos!

Ressonância e mutação. Dois princípios analógicos, alquímicos. Uma pequena quantidade de energia seria capaz de exponencialmente expandir em escala e frequência, ampliando a potência até cobrir toda a atmosfera e atravessar todo o planeta. Tesla tinha em seu poder a pedra filosofal: uma energia poderosa a partir de princípios holísticos simples, assim como era simples a “bobina Tesla”, simples o bastante para qualquer interessado construir, e totalmente funcional em modelos caseiros. Uma inovação impressionante, que foi a base para o rádio, televisão, e meios modernos de comunicação sem fio.

A Maior Descarga Elétrica da História

O relato da experiência em ressonância com eletricidade posta em prática em uma noite em Colorado Springs, em 1899, é impressionante:
“Certa noite em 1899, Tesla acionou sua máquina em força total, na esperança de produzir um fenômeno que ele chamou de "crescente ressonante". Sua torre descarregou na Terra dez milhões de volts. A corrente atravessou o planeta na velocidade da luz, forte o bastante para não morrer antes do final. Quando ela chegou ao lado oposto do planeta, ela foi rebatida de volta, como círculos de água voltando à sua origem. Ao voltarem, a corrente estava em muito enfraquecida, mas Tesla estava emitindo uma série de pulsos que se reforçavam um ao outro, resultando em um tremendo efeito cumulativo.
No ponto focal, aonde Tesla e seus assistentes assistiam, a crescente ressonante manifestou-se como uma demonstração alienígena de raios que ainda estão até hoje catalogados como a maior descarga elétrica da história. A corrente de retorno formou um arco voltaico que elevou-se até o céu por dezenove metros. Trovões apocalípticos foram ouvidos a trinta e três quilômetros de distância. Tesla, anteriormente, estava preocupado com a possibilidade de haver um limite para a geração de descargas ressonantes, mas, naquele evento, ele passou a crer que o potencial era ilimitado. A demonstração teve um fim inesperado, quando as descargas fizeram com que o gerador de força de Colorado Springs se incendiasse. Tesla não mais recebeu energia grátis dos donos da companhia desde então.” TRULL, D. Tesla: The Eletric Magician. Disponível em http://www.parascope.com/en/1096/tesindex.htm).

Após descobrirem o seu tecno-utópico propósito, seus financiadores como JP Morgan e Westinghouse o abandonaram. Tesla ainda tentou ludibriar Morgan ao dizer que a torre que construía era para construir um equipamento de transmissão de rádio intercontinental que lhe garantiria o monopólio das comunicações mundiais. Mas o propósito era outro: a transmissão de energia grátis para o planeta.

Aos poucos Tesla aproximou-se da Teosofia através dos ensinamentos de Swami Vivenkanada, na época (1891) em visita aos EUA. Tesla passou a descrever os fenômenos que manipulava em termos sânscritos como Akasha, Prana e o conceito de “Éter Luminífero” para descrever a fonte, existência e construção da matéria.

Mas se Tesla com seus princípios alquímicos pretendia a mutação da matéria em termos de ondas, ressonância, éter etc., enquanto isso o mainstream científico apenas queria a transcodificação da matéria, isto é, confiná-la, represá-la para direcioná-la por meio de uma linguagem codificada e hermética (isto é, acessível somente a uma elite esclarecida) para fins de dominação econômica e política. O digital, a linguagem, a tecnologia sobrepondo o analógico, o sensual, a ciência.

Por isso Tesla, como um dos últimos cientistas alquímicos, pagou seu preço: morreu em 1943, solitário em um quarto de um hotel onde morava em Nova York. Financeiramente quebrado e na companhia de um bando de pássaros, que considerava seus únicos amigos. E seu nome jogado na obscuridade e banido da história da Física, apesar da sua mais de 700 patentes registradas em equipamentos diversos que foram surgindo como decorrência das pesquisas sobre o maior propósito: a energia livre para todos.

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sábado, agosto 21, 2010

Filme "A Origem": Nolan cai sob o fascínio das neurociências

Apesar da embalagem gnóstica (questionamentos sobre a natureza do real, os sonhos como um mundo paralelo, e personagem feminino que exorta o protagonista a despertar do sono da realidade) "A Origem" (Inception, 2010) de Christopher Nolan é extremamente reacionário ao fazer a apologia da engenharia do espírito das neurociências. O simbolismo dos sonhos substituído pela cartografia invasiva da mente.

É sabido que nos EUA a Psicanálise freudiana não goza de credibilidade científica. Conceitos como psiquismo e inconsciente são ignorados por não serem científicos, sem comprovação empírica. Discutir os sonhos e desejos humanos a partir da sexualidade e das relações infantis com a boca e excrementos é bizarro demais para o puritanismo norte-americano.

A cultura norte-americana é mais prática: se Freud pretendia analisar o simbolismo dos sonhos, o imaginário tecnológico atual pretende fazer uma cartografia e topologia dos sonhos. Muito mais prático, como bem comprovam as neurociências e o neuromarketing. Símbolos são filosóficos demais, enquanto uma cartografia e uma topologia é muito mais eficaz para apontar caminhos para inserir ideias nas mentes.

“A Origem” (Inception, 2010) comprova essa agenda tecnológica. Embora a narrativa do filme ocorra nos sonhos, nenhuma vez ouvimos a palavra inconsciente. Ela é substituída pelo genérico conceito de subconsciente, expondo essa matriz do pragmatismo neurocientífico.

Embora a princípio "A Origem" pareça ser um filme gnóstico, esotérico ou “filosófico”, tal como “Matrix”, ele tem um profundo sentido pragmático: a exploração do último refúgio do indivíduo (a mente, os sonhos) no invasivo mundo atual dos interesses corporativos (marketing, publicidade, fusões, aquisições etc.).

Embalagem Gnóstica

A narrativa de “A Origem” utiliza muitos elementos e tiradas dos filmes gnósticos, atribuindo uma roupagem “séria” à estória, dando a entender ao público que estamos diante de profundos insigths filosóficos. Por exemplo, quando os protagonistas vão para Mombasa recrutar um farmacêutico especialista em drogas pesadas para auxilia-los na missão, encontram em um porão dezenas de pessoas adormecidas. Elas vão para lá diariamente para viverem seus sonhos como uma realidade paralela. “Elas vêm aqui não para dormir, mas para despertar”, diz o responsável pelo local. Evidente tirada gnóstica que lembra as questões do personagem Morpheus no filme “Matrix”. Mas os protagonistas estão naquela farmácia de manipulação menos para discutir a natureza filosófica ou místicas dos sonhos, mas para usar pragmaticamente as drogas para resolver os problemas corporativos do cliente de Cobb (Leonardo Di Caprio).

Ou ainda a personagem Mal, a falecida esposa de Cobb. Aparentemente ela representa o personagem mítico gnóstico de Sophia, ao alertar Cobb sobre a natureza fictícia da realidade, apelando para que seu marido desperte. No sonho está a realidade e a realidade é uma ilusão! Ela constantemente fala para Cobb “retornar para casa” com ela, ou seja, retornar a uma origem idílica perdida durante o sono da realidade. Ela fala para Cobb: “você não se sente atormentado, perseguido pelo mundo por empresas anônimas?” Uau! Parece até que estamos diante das tramas gnósticas de Philip K. Dick! A personagem feminina que vai conduzir o protagonista para o despertar, como no filme O Pagamento (Paycheck, 2003).

Puro engano. Mal não passa de projeção do subconsciente de Cobb, originado pelo sentimento de culpa pela morte da esposa. Tal como nas terapias baseadas em neurociências (PNL, Cientologia etc), ele apenas quer deletar a culpa da sua consciência. Toda a aventura dos protagonistas nos diversos níveis dos sonhos em inserir (inception) a semente de uma ideia na mente de uma pessoa por interesses corporativos, servirá apenas para resolver os problemas de Cobb com sua consciência: deletar a projeção subconsciente da culpa.

O Reacionarismo de "A Origem"

Por isso, “A Origem” é um filme extremamente reacionário. Comparado com filmes como “Brilho Eterno de uma Mente Sem lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004), O Pagamento (Paychek, 2003) e Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001), “A Origem” glorifica as tecnologias neurocientíficas que querem basear a felicidade no esquecimento. Se nos filmes gnósticos há a denúncia da secreta aliança da tecnologia servir aos interesses que nos aprisionam a uma realidade por meio do esquecimento, em “A Origem” temos a apologia da eficácia das tecnociências.

Se em “Brilho Eterno”, “O Pagamento” e “Vanilla Sky”, os personagens femininos Clementine, Rachel e Sofia são peças-chave para o despertar (a gnose) do protagonista, em “A Origem” a parsonagem Mal é a mera projeção subconsciente da culpa. Com a mesma tecnologia que serve os interesses corporativos, ele “cura” a si mesmo eliminando a culpa dos seus sonhos.

Isso é surpreendente, já que Christopher Nolan vem de autênticos filmes de questionamentos gnósticos da realidade como “Amnésia” (Memento, 2000) e “O Grande Truque” (The Prestige, 2006 com a participação do gnóstico pop David Bowie como o misterioso cientista NiKolas Tesla).

Se em "Brilho Eterno" toda a tecnologia que quer manipular os sonhos e memórias cai diante da irrupção do insconsciente como a única resistência que o indivíduo ainda possui para enfrentar os interesses corporativos, em “A Origem” isso desaparece para dar lugar a um subconsciente que aparece como mera disfunção ou obstáculo para a aventura dos protagonistas.

Se em “Vanilla Sky” e “Brilho Eterno” as tecnologias da engenharia do espírito (neurociências) são tematizadas criticamente ao ponto da ironia e ridicularização, em “A Origem” elas são enaltecidas (as engenhosas descrições da utilização das arquiteturas impossíveis de Escher nos sonhos – paradoxos, loopings etc.) e vendidas ao espectador como instrumentos para a felicidade de uma vida sem culpas.

Para a psicanálise freudiana a questão sonho é simbólica, isto é, o conhecimento das chaves que abrem as portas para resgatarmos aquilo que nos foi esquecido pelos mecanismos represssivos da realidade. Mas para as neurociência o sonho é uma simples questão de cartografia e topografia: um mapa de associações mentais para mais facilmente deletarmos as disfunções que nos incomodam.

Assim como no neuromarketing onde colocam-se eletrodos na cabeça de um consumidor prototípico para mapearmos as reações mentais diante de peças publicitárias.

Por que esse retrocesso em Christopher Nolan? Em “Amnésia” ele nos apresentou brilhantes e gnósticos insigths sobre a natureza da percepção, memória e realidade e em “O Grande Truque” um brilhante cenário das origens da tecnologia moderna num ambiente histórico (virada de séculos XIX-XX) onde ciência, misticismo e magia se confundiam. Talvez Nolan tenha se rendido ao fascínio pelas neurociências que, afinal, oferecem um modelo simplificado, visual (cinematográfico) e muito mais pragmático do que as complicadas interpretações simbólicas. Projeções subconscientes com armas na mão e o inconsciente traduzido como cofres dentro do qual guardamos nossos segredos e depois jogamos fora a combinação são imagens muito mais convincentes e compreensíveis. “A Origem”, assim como as neurociências, não quer descobrir a combinção, mas apenas destruir o cofre.

Portanto, o filme apresenta uma aparência gnóstica por supostamente ter profundos questionamentos filosóficos ou existenciais sobre a natureza da realidade. A brilhante e complexa narrativa (marca dos filmes de Nolan) de sonhos dentro de sonhos e o final ambíguo (que leva o espectador a questionar o próprio ponto de partida do filme – onde termina o sonho e começa a realidade?), marca da ironia narrativa dos filmes gnósticos, estão em “A Origem” como uma embalagem atraente para seduzir públicos “cabeças”. Mas o seu interior é extremamente reacionário e sintonizado com a agenda tecnognóstica da glorificação das engenharias do espírito.

Ficha Técnica:
  • Título: A Origem (Inception)
  • Diretor: Christopher Nolan
  • Roteiro: Christopher Nolan
  • Ano: 2010
  • Elenco: Leonardo Di Caprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy.
  • Produção e Distribuição: Warner Bros.
  • País: EUA
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domingo, agosto 08, 2010

Cães e Arquétipos: a Ad-Gnose em Ação

Por serem registros mnemônicos da espiritualidade e da Luz da espécie, os arquétipos naturalmente aspiram à transcendência. Mas a Ad-Gnose (Advertising+Gnose), como toda a indústria do entretenimento, as captura e as confina dentro da instrumentalidade comercial. Um exemplo prosaico da ação da Ad-Gnose é o novo vídeo publicitário de uma marca de ração para cães.

Em posts anteriores abordamos o conceito de Ad-Gnose para indicar a nova fase que a Publicidade está entrando onde, paradoxalmente, o produto tende a desaparecer dos anúncios, transformando-o muito menos em algo para ser adquirido do que ser experimentado como evento, jornada, descoberta ou renovação pessoal.

Vimos que as técnicas de convencimento e persuasão em Publicidade passaram por diversas fases (táticas psicológicas, comportamentais, motivacionais, subliminares, psicanalíticas etc.), mas, em todas elas, estava implícito um imperativo: “Aqui está o produto. Agora compre-o!” Com a Ad-Gnose, toda essa verdadeira engenharia espiritual tem um salto qualitativo: separação entre o desejo e a aquisição imediata do produto, para transformar o ato do consumo, per si, num evento de autoconhecimento e renovação espiritual ao instrumentalizar todo um repertório de arquétipos do inconsciente coletivo da espécie humana.

Claro que estamos sendo irônicos ao usar nesse conceito a palavra “Gnose”, já que a suposta renovação espiritual proposta pelo consumo é a tradução das experiências do sagrado, do religioso e da transcendência dentro paradigma da Auto-Ajuda.

A engenharia espiritual da Ad-Gnose vai além das várias camadas existenciais do indivíduo (percepção, comportamento, subconsciente, psiquismo e inconsciente) para atingir a última dimensão: o próprio espírito com a instrumentalização dos arquétipos.

Em Jung os arquétipos são símbolos do inconsciente coletivo, símbolos atualizados por diversos meios (misticismo, religião, lendas, mitos até chegar à forma mais mística da publicidade contemporânea) onde são aglutinadas aspirações, desejos e grandes questões metafísicas e existenciais da espécie humana.

Como já apontou Victoria Nelson (veja The Secret Life of Puppets. Cambridge: Havard UP, 2001), arquétipos são como instrumentos mnemônicos da suprema arte da memória. Em sociedades antigas, pré-literárias, toda uma série de técnicas orais (lendas, fábulas, ritmo, rimas, repetição etc.) serviam como um repositório do conhecimento humano. Os arquétipos pertencem à sagrada arte da mnemotécnica, guardando na biblioteca do inconsciente coletivo as questões mais profundas da espécie. Num sentido gnóstico, símbolos das reminiscências sobre nossas origens e nosso exílio nesse cosmos.

O funcionamento da Ad-Gnose

Mas na prática qual o mecanismo de funcionamento da Ad-Gnose? Vamos nesse post fazer um rascunho de um método de análise do discurso publicitário dentro da Ad-Gnose. Se por um ponto de vista gnóstico a indústria do entretenimento necessita extrair dos indivíduos sua “espontaneidade” (Partículas de luz ou a energia espiritual vital, reminiscência das nossas verdadeiras origens) para por em funcionamento as estruturas-clichês ocas e sem vida, esse rascunho de método que traçaremos aqui tem como objetivo descrever o momento em que essas estruturas-clichês capturam e confinam esses elementos espirituais, representados nos arquétipos.

Podemos considerar os diversos níveis semióticos das técnicas de convencimento e persuasão do discurso publicitário como formas-pensamento vazias, sem espírito ou energia própria. No nível perceptivo ou comportamental imediato elas até podem sensibilizar o indivíduo, motivando nele respostas imediatas, subliminares ou comportamentais. Mas são de curta duração. Não há sensibilização, fixação ou elaboração.

Partindo para um didatismo semiótico podemos subdividir estas técnicas da seguinte maneira:

a) Nível das estruturas-clichê: Recursos gráficos, psicodinâmica das cores, fotogenia, packshot, lettering, roteirização. Ou seja, todo um aspecto da sinalização pura, recursos que atingem os aspectos mais instintivos ou comportamentais.

b) Nível Retórico: a utilização do repertório das figuras de retórica clássicas, aristotélicas (metáforas, hipérboles, oximoros etc.). É o nível da persuasão pura através da estética da argumentação do discurso. Depois da sinalização imediata (chamar a atenção), transforma-se em informação, discurso, argumentação.

Vamos pegar um exemplo bem prosaico, como o novo comercial da ração para cachorros Pedigree (título "Vida" da Agência Lara/TBWA e da produtora Paranoid BR). Nesse simples vídeo publicitário podemos encontrar todos os elementos da Ad-Gnose em funcionamento, principalmente o aspecto arquetípico.

De imediato, vemos os aspectos clássicos da fotogenia ou videogenia publicitária: um cão (golden retriever) correndo em slow motion, cores em tons pastéis, trilha acústica em tom folk, os longos pelos do animal em movimento ao vento. São aspectos clichês (o tom pastel associado ao primaveril, matinal, a raça do cão retriever etc.). Sobreposto a esse nível, temos o discurso retórico. A comparação entre a motivação de correr para o humano e para o cachorro segue o modelo da figura de retórica chamada de Sístrofe, técnica de suspensão do sentido onde uma série de características é enumerada sem sabermos com precisão sobre do que se trata o discurso.

Embora sejam recursos engenhosos, esteticamente bonitos, envolventes e emocionantes, são, por curto prazo, vazios. Seu efeito se esgota logo depois de encerrado o filme publicitário porque ainda falta um elemento do espírito que ainda não consideramos: o arquétipo.

Vejamos o que diz o áudio desse vídeo publicitário:
“Tem gente que corre por esporte, para superar os adversários. Ou para não se atrasar. Mas nós temos mais sorte. Somos cachorros. Não precisamos de um motivo para correr. Seu cão tem muita vida pela frente. Só falta dar qualidade para ela.”

Esse discurso instrumentaliza o arquétipo do Inocente: um desejo por pureza, simplicidade. A aspiração pelo lúdico e idílico, quebrar a ordem do princípio do desempenho (eficácia, eficiência e performance) que governa nossas vidas. Injeta nas formas-clichês vazias do discurso publicitário a reminiscência da aspiração pela transcendência das inautênticas normas sociais que aprisionam o espírito.

Mas se esse é o momento de verdade desse filme publicitário, essa reminiscência deve ser confinada nos estritos objetivos comerciais. Duas técnicas são usadas para confinar o arquétipo: primeiro, a resignação: os cães têm “sorte” de correr sem motivos. Implicitamente quer dizer que os humanos não têm tal sorte. Resignamo-nos a correr por desempenho, por metas, sem o prazer lúdico dos cães.

Segundo, a inversão fetichista. Projetamos nos cães a humanidade perdida (qualidade de vida, ludismo, pureza, inocência etc.). O arquétipo é vivenciado por delegação, através da vida do cachorro. Nele projetamos as aspirações por uma vida que, resignadamente, desistimos de buscar. O cão se torna progressivamente mais humano do que o seu próprio dono.

O filme Marley e Eu (Marley & Me, 2008), é o exemplo flagrante dessa resignação e inversão fetichista. O filme termina com a lição de que o cão é o melhor amigo do homem por, paradoxalmente, ser mais humano do que seus donos (“um cão não se importa se você é rico ou pobre, um cão não vê utilidades em casarões, roupas de grife... um graveto serve para ele”, conclui o protagonista no final do filme). Resignação pela humanidade perdida e projeção da aspiração representada no arquétipo do Inocente em um animal: esses são os dois momentos em que a “espontaneidade”, o arquétipo ou a energia espiritual são capturados e confinados na instrumentalidade publicitária.

Por serem registros mnemônicos da espiritualidade e da Luz da espécie, o arquétipo naturalmente aspira à transcendência. Mas a Ad-Gnose, como toda a indústria do entretenimento, as captura e as confina dentro da razão instrumental que, para nosso azar (o cachorro tem mais sorte!), não podemos escapar: continuamos a correr para superar os adversários e para não chegar atrasados.

Vídeo "Vida"



Ficha Técnica:
  • Título: "Vida"
  • Agência: Lew, Lara\TBWA Publicidade Ltda.
  • Cliente: Másterfoods Brasil Alimentos Ltda.
  • Produto: Pedigree
  • Criação: Pedro Rosa e Roberto Kilciauskas
  • Direção de Criação: Jaques Lewkowicz, André Laurentino, Manir Fadel e Luciano Lincoln
  • Produção: Paranoid Br
  • Direção do Filme: Luis Carone
  • Locutor: Hilton Raw
  • Ano: 2010
  • País: Brasil

terça-feira, agosto 03, 2010

Morte e Ressurreição em "Riverworld"

Apesar dos evidentes problemas de produção e roteiro, ao lidar com clássicos elementos da simbologia gnóstica Riverworld (piloto de uma possível série) torna-se um candidato a sucessor da série Lost. Morte/ressurreição é o tema central, acompanhado do simbolismo gnóstico de Sophia e na cisão cabala/alquimia na busca pela saída do pesadelo que representa o mundo de Riverworld.

Exibido pelo SciFi Channel, Riverworld é a adaptação, por Robert Hewitt Wolfe (Star Trek: Deep Space 9, Andromeda e The Dresden Files) de uma série de livros de ficção científica escritos por Phillip José Farmer. A história gira em torno de um jornalista fotográfico, Matt, e sua namorada Jessie. Após morrerem em um atentado terrorista numa casa noturna são transportados para o mundo misterioso de Riverworld, local para o qual as pessoas que já viveram na Terra são levados, em uma espécie de ressurreição.

Em Riverworld as pessoas acordam mais jovens e livres de qualquer doença ou problemas genéticos. Sem envelhecer, elas são capazes de se regenerar. Lá estão as almas de todos aqueles que um dia já passaram pela Terra em toda a História. Um lugar que é uma espécie de segunda chance ou talvez uma espécie de purgatório.

Em Riverworld encontramos desde anônimos até grandes personagens históricos que cruzam o caminho do protagonista Matt, tais como o escritor e romancista norte-americano Mark Twain ou o conquistador e explorador espanhol Francisco Pizarro. Ao despartarem nesse mundo (as pessoas acordam submersas e desorientadas num rio para emergirem e nadarem até às margens), veem-se, involuntariamente, no meio de uma guerra travada por dois grupos de seres: os chamados “Salvacionistas” que querem destruir aquele mundo e libertar todas as almas, e o outro grupo que quer manter o status quo. Com seus poderes, esses seres (com rostos azuis em trajes de monge) interferem no curso dos acontecimentos, criando uma espécie de jogo de xadrez.

Como afirma Jeff Kripal (professor de Estudos da Religião da Rice University, Houston Texas), os comic books e livros de ficção científica se tornaram os evangelhos pós-modernos do Gnosticismo (sobre isso clique aqui e leia "The Postmodern Gnosticism & Gnosis" do Aeon Byte Gnostic Radio).

Descontando os flagrantes problemas de roteiro e produção (produção de baixo orçamento, muitos diálogos clichês e desnecessários, narração em vários momentos arrastada etc.), a estória de Riverworld é repleta de clássicos elementos míticos do Gnosticismo.

Para começar, a natureza ambígua do local onde acontece a narrativa (Riverworld) é ambígua: será um purgatório de almas? Um outro planeta? Almas humanas aprisionadas por ETs? Ou um simples pesadelo coletivo? Essa ambiguidade dá à estória um caráter de fábula, uma fábula gnóstica sobre o homem aprisionado num cosmos, servindo de joguete numa batalha entre deuses que não o amam. Onde nem a morte é saída. Após morrer, quase que imediatamente é ressuscitado para retornar ao jogo.

Vemos, então, após a morte ou um suicídio desesperado de alguém (falam em “suicídio express”), uma vasta região onde corpos em estado de dormência são mantidos como que depositados (visual que lembra Matrix) para serem despertados pelos seres que governam Riverworld, de acordo com suas conveniências táticas no jogo.

Talvez esse seja o tema mítico gnóstico principal explorado pelo filme: a visão desesperançada da morte e da reencarnação. Como já discutimos em postagem anterior, o Gnosticismo vê a reencarnação como uma perversa estratégia do Demiurgo para manter a humanidade aprisionada num círculo infinito. Na morte/reencarnação não há evolução, aprendizado. Há esquecimento, condenado a recomeçar sempre do zero.

Mas em Riverworld, esse mito gnóstico da reencarnação como prisão é levado ao paroxismo e desespero. Sthephen King em um dos seus livros de suspense e terror dizia que o inferno é a repetição. Pois bem, é exatamente isso que temos no filme: não há, pelo menos, a ilusão de recomeçar, a esperança de um novo dia. Todos são ressuscitados para recomeçarem do ponto em que morreram. O jogo não tem fim.

No gnóstico filme de Alex Proyas, Cidade das Sombras (Dark City), esse mesmo tema foi explorado: ETs que aprisionam seres humanos em uma cidade fake para, a cada meia-noite, serem colocados em estado de dormência para que as identidades sejam trocadas, com o objetivo de encontrar a essência humana no transitório.

Na mitologia gnóstica, um personagem feminino é de vital importância na trajetória humana no cosmos hostil: Sophia. Um dos mais importantes aeons na mitologia gnóstica essa personagem é explorada nos filmes gnósticos em três aspectos: como aquela que decaiu sob o jugo do Demiurgo, como aquela que desperta no protagonista a necessidade da gnose e como aquela que, secretamente, doa seu amor e sabedoria aos homens ao contribuir com importantes padrões arquetípicos à Criação.

Em Riverworld a personagem Jessie é aquela que motiva Matt a seguir em frente e lutar naquele mundo estranho. A personagem cumpre os dois primeiros aspectos enumerados acima: ela cai sob o jugo do “vilão” Burton (torna-se sua namorada, após perder as esperanças de encontrar Matt), que quer, a todo custo, mandar pelos ares aquele mundo através de uma bomba com potencia nuclear. Mas a busca de Matt por Jessie é a chave para a compreensão da natureza daquele mundo. Simbolicamente, fará o protagonista ir ao encontro da “nascente” do rio cujas almas vivem aprisionadas às suas margens.

Por fim, a ambiguidade do personagem Burton. Aparentemente é o “vilão” (utiliza-se de métodos violentos para conseguir seu objetivo), mas, no final, ele pretende destruir aquele mundo para libertar todas as almas humanas aprisionadas. Explodir tudo por meio de uma espécie de bomba atômica não parece ser a melhor das soluções: ele, na verdade, pretende um “suicídio express” final, sem volta, rompendo com o inferno da repetição. É a proposta de um gnosticismo cabalístico: transcender a alma pela aniquilação da matéria, sem redimi-la.

Todo gnosticismo nutre um ódio pela matéria, ao vê-la como uma prisão criada pelo Demiurgo para aprisionar a Luz. Porém, a forma de trasncendê-la é controversa: de um lado o gnosticismo cabalístico (um atalho rápido para a fuga do espírito) e, do outro, o gnosticismo alquímico (a transcendência somente é possível após redimir a matéria, isto é, resgatar nela os elementos sagrados que auxiliem a gnose).

Riverworld, ao lidar com todos esses simbolismos gnósticos, lembra essa dicotomia cabala/alquimia ao opor os personagens Matt/Burton: o primeiro quer resgatar Jessie/Sophia daquele cosmos. O segundo, só quer mandar tudo pelos ares.

Ficha Técnica:
  • Filme: Riverworld
  • Diretor: Stuart Gillard
  • Escritor: Phillip Jose farmer (livro) e Robert Wolfe e Randall Badat (roteiro)
  • Gênero: Drama/Sci-Fi
  • Elenco: Tahmoh Penikett, Mark Deklin, Peter Wingfield, Jeananne Goossen.
  • Ano: 2010
  • Produção: Reunion Pictures, Riverworld Productions
  • Distribuição: SyFy TV
  • País: EUA

Trailer Riverworld


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sexta-feira, julho 30, 2010

Autor do Blog "Cinema Secreto" lançará dois livros: "O Caos Semiótico" e "Cinegnose"

Já está no prelo da Giz Editorial dois livros que lançarei no próximo mês: “O Caos Semiótico – Ensaios Críticos de Estudos da Comunicação” e “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na recente produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005)”.

O primeiro é um relançamento, atualizado e ampliado. Lançado em 1996 teve duas edições pela Editora Terra. Esgotado o livro, não houve tempo para uma terceira edição com o fechamento da Editora Terra lá pelos idos de começo desse novo século.

Bem conhecido entre meus alunos da Universidade Anhembi Morumbi, passou, então, a frequentar sebos reais e virtuais na Internet e diversas cópias digitais em PDF.

Pois bem, finalmente teremos um relançamento com uma versão atualizada e ampliada. . Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno”.

A novidade é o último ensaio do livro: “Tecnognose: do Vale do Silício à Hollywood”. Foi um artigo apresentado no II Simpósio Nacional da ABCIBER – Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura realizado em outubro de 2008 na PUC/SP. Esse trabalho foi o ponto de partida de um projeto desenvolvido no Mestrado em Cinema da Universidade Anhembi Morumbi sobre como o imaginário místico (ou gnóstico) por trás novas tecnologias computacionais vão contaminar a produção cinematográfica da recente produção norte-americana nos aspectos temáticos, narrativos, iconográfico e simbólico.


Cinegnose

O segundo livro, como dá para perceber pelo extenso título, só pode ser uma dissertação ou tese de pós-graduação. Trata-se do primeiro caso: "Cinegnose" é uma dissertação de Mestrado defendida na Pós em Comunicação Contemporânea (Análise de Imagem e Som) da Universidade Anhembi Morumbi-São Paulo no ano passado.

Nesse trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana recente (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados em narrativas míticas do Gnosticismo (conjunto de seitas sincréticas de religiões iniciatórias e escolas de conhecimento nos primeiros séculos da era cristã).

Temos a frequência de temas como conspirações cósmicas, universos paralelos, amnésia e paranóia, além da ambivalente relação entre o sujeito e a realidade, consciência (especialmente alterada por estados de consciência iluminados) e revolta contra sistemas autoritários de controle. Filmes como Cidade das Sombras (Dark City, 1998), a Vida em Preto e Branco (Pleasantville, 1998), Show de Truman (Truman Show, 1998), Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001), entre outros, apresentam uma idéia geral de que o mundo que percebemos é uma ilusão criada por alguém que não nos ama e que a chave para revelar a ilusão e descobrir a realidade reside numa forma de autoconhecimento ou iluminação. Uma pista para descobrirmos essa conexão entre gnosticismo e cinema passa pela discussão entre misticismo e imaginário tecnológico. Esse período da produção cinematográfica norte-americana refletiria um imaginário tecnológico que alguns autores definem como “gnosticismo tecnológico” ou “tecnognose”.

Aguarde nesse Blog mais notícias sobre datas de lançamentos.

quarta-feira, julho 28, 2010

Fórmula 1: a Transparência do Mal transmitida ao Vivo

Para além das críticas moralistas contra Felipe Massa e o "jogo de Equipe" da Ferrari, o que assistimos ao vivo pela TV no último GP é a parte mais transparente na natureza do desenvolvimento tecnológico: a Hipertelia, o momento em que a tecnologia, de tão obesa pelo desenvolvimento hipertrofiado, volta-se contra si mesma. É o princípio gnóstico do Mal, da ironica inversão de cada ação humana.

“Sem Vergonha”. Essa foi a síntese da reação da mídia em relação às ordens implícitas enviadas por rádio dos boxes da Ferrari para que Felipe Massa deixasse o piloto espanhol e companheiro de equipe Fernando Alonso ultrapassá-lo na 48o volta do GP da Alemanha de Fórmula 1. As críticas limitam-se ao moralismo, ou condenando Felipe Massa por se curvar contratualmente a exigência de ser o piloto “número 2” da equipe (e muito bem remunerado para isso!) ou acusando a Ferrari de atitude anti-esportiva e manipulação de resultado (já multada pela FIA em US$ 100 mil após o último GP).

E já não é a primeira vez que manipulações de resultados ocorrem na categoria de elite do automobilismo. É ainda recente na lembrança o acidente propositalmente provocado por Nelsinho Piquet no GP de Cingapura em 2008 para favorecer o então companheiro de equipe da Renault, Fernando Alonso.
Uma das características da crítica moralista é culpar unicamente a ação individual, como resultante de um mau juízo ou de valores condenáveis. Essa crítica esquece das tendências estruturais ou conjunturais que envolvem os indivíduos e de onde partem as motivações das ações.

Há algo de mais profundo na categoria mais tecnologizada do automobilismo, algo que envolve o sentido de uma tecnologia que hipertrofiada volta-se contra si mesmo. Desde à época de Alain Prost, assistimos ao fim de uma era onde o resultado das corridas eram resolvidos pelo “braço” e perícia do piloto. Telemetria, suspensão ativa, câmbio automático etc, fizeram, em meados dos anos 90, a categoria entrar em crise. De tão cara, a alta tecnologia ficou concentrada em uma ou duas equipes, acabando a competitividade. Ironicamente, a F1 teve que regredir tecnologicamente para subsistir alguma competitividade, mas o cenário pouco mudou. Os caríssimos investimentos exigem um campeonato “dirigido” com manipulações pontuais, seja nas mudanças de regras ou em atitudes desesperadas como essa do GP da Alemanha.

Partindo de reflexões gnósticas sobre a essência do Mal, o pensador Jean Baudrillard conseguiu localizar na tecnologia o princípio da “reversibilidade simbólica”, a irônica presença do Mal que torna esse cosmos imperfeito. Baudrillard propôs uma hipótese perturbadora: e se os sistemas tecnológicos estiverem caminhando para um vanish point, um ponto de inversão e entropia, ou seja, se eles estiverem num estágio de inversão da finalidade inicial (a do valor de uso da tecnologia, sua utilidade e funcionalidade), tendendo a um ponto de inércia, a um ponto zero? Esta é a tese é igualmente partilhada por Ciro Marcondes Filho .
"Acredita se que todos os processos desenvolvam-se¬ até um certo ponto e que, sendo este ultrapassado, perdem sua eficácia e tomam¬-se absolutamente disfuncionais. O desenvolvimento da ciência, que até um certo momento foi impulsionado por toda a sociedade, recebeu fortes investimentos da indústria, dos governos e instituições sociais, esse mesmo desenvolvimento passou, a partir desse ponto de disfunção, a ser prejudicial à sociedade, na medida em que pôs em risco sua estabilidade e mesmo sua existência”. (MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão. São Paulo, Scipione, 1995. p.58 9.)

Os sistemas tecnológicos tenderiam a um estado de obesidade, de excesso generalizado, até inviabilizar a finalidade original que os fez surgir. É aquilo que Baudrillard chama de hipertelia. A sofisticadíssima tecnologia automobilística da Fórmula 1 chega a um ponto que inviabiliza a competitividade e a sobrevivência da própria categoria esportiva. Poucas escuderias poderiam ter a tecnologia de ponta disponível para, no mínimo, serem competitivas. Resultado: foi obrigada a regredir sua tecnologia para os anos 70.
“Exxon: o governo americano pede à multinacional um informe global sobre todas as suas atividades no mundo. Resutado: doze volumes de mil páginas, cuja leitura, para não dizer a análise, ocuparia vários anos de trabalho. Onde está a informação? Aqui cão começa uma patafísica dos sistemas. Esta culminação lógica, esta escalada não se limita, por outro lado, a oferecer inconvenientes, ainda que seja uma catástrofe em câmera lenta” (BAUDRILLARD, Jean.Estrategias Fatales. Barcelona, Editorial Anagrama, 1984, p.11-2)

Esta reversibilidade irônica, patafísica (absurda) está por todos os setores cuja tecnologia se hipertrofia.

Na Guerra do Golfo em 1991, o mesmo pode se e dizer do avião invisível aos radares que, de tão sofisticado e caro aos cofres públicos dos EUA, poucas vezes levantou vôo. Ou os automóveis atuais, sofisticados, estáveis e velozes, vivem presos em congestionamentos. Resultado: os acessórios tomam conta das inovações tecnológicas, para que o motorista se sinta cada vez mais confortável nos engarrafamentos.

Ou ainda a infecção hospitalar que surge, ironicamente, no ambiente mais asséptico e controlado possível: a hipertrofia asséptica resulta no oposto, isto é, um ecossistema tão limpo que um vírus pode se propagar catastroficamente pela inexistência de barreira biológicas como, por exemplo, predadores.

O grau zero da informação televisiva: a expansão do número de canais em um aparelho de TV volta-se contra o próprio conteúdo. Diante de 300 canais, é impossível escolher qual assistir. Resultado: o efeito zapping, onde o divertido não assistir ao conteúdo, mas trocar compulsivamente de canais. A tecnologia televisiva volta-se contra o próprio valor de uso da informação.

A obsessão da tecnologia em expandir-se para alcançar funcionalidades e utilidades cada vez mais precisas, eficazes e de alto desempenho, resulta, ironicamente, na absoluta inutilidade. É a “transparência do Mal”. Tal como um acidente catastrófico de um trem-bala, a tecnologia bate de frente, em alta velocidade, com o princípio do Mal que governa o cosmos.

Voltando às críticas moralistas da mídia sobre a F1, não devemos esquecer que o sacrifício público de Felipe Massa é a parte mais visível da hipertelia de uma categoria que, de tão obesa tecnologicamente, aniquila qualquer possibilidade de jogo ou competição.

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