terça-feira, julho 23, 2013

Monstros e crianças se encontram em uma exposição


Por que o imaginário infantil sempre esteve às voltas com monstros? Por que esses seres fantásticos presentes em todas as culturas, mitologias e lendas ao mesmo tempo assustam e fascinam crianças há gerações? A exposição “Monstros” do artista multimídia Térsio Greguol ajuda a responder essas questões porque expressam o passado e presente desses assustadores seres: a importância do arquétipo do monstro para a criança enfrentar psicologicamente esse mundo e a nova sensibilidade infantil com esses seres, dessas vez paródica e metalinguística.

Desde que Sigmund Freud descobriu que as crianças não eram exatamente anjinhos barrocos, mas detentoras de uma vida psíquica tão ou mais complexa que os adultos, a maneira como encaramos o imaginário infantil com suas fábulas, lendas e cantigas de ninar mudou. Desde a mais tenra idade as crianças estão familiarizadas com emoções perturbadoras como o medo e a angústia. São experiências que fazem parte do cotidiano. Elas têm que lidar constantemente com frustrações, angústia de perda e abandono, o medo da escuridão e do isolamento.

Diferente dos outros animais, a Natureza nos colocou nesse mundo, totalmente desprotegidos e dependentes – nascemos carecas, sem pelos e sem dentes, desajeitados e sem coordenação motora. E como a criança lida com essa situação? Através da imaginação e da fantasia, a melhor maneira de lidar com os monstros, arquétipos de seres fantásticos que simbolizam as ameaças dessa deplorável condição que viemos ao mundo.


Exposição "Monstros"
A exposição “Monstros” do artista multimída Térsio Greguol (escritor, artista plástico, compositor e vocalista da banda Katarse) no espaço da Fenac-Pinheiros em São Paulo explora esses seres fantásticos presentes em todas as culturas, mitologias, folclore e lendas através de desenhos e telas tridimensionais. Nas telas de Greguol vemos olhos enormes que nos observam ou pequenos que emergem da escuridão, tentáculos coloridos que formam traçados labirínticos, bocas enormes e cheias de dentes, carrancas tridimensionais e muitas espirais, como se as formas e cores tentassem nos hipnotizar.

Claro que na exposição estão muitos adultos que sentem nas telas ecos da infância. Mas as crianças simplesmente adoram os monstros representados nas telas da exposição. Os monstros de Térsio têm um quê de metalinguagem pelas referências midiáticas, principalmente dos monstros de Tim Burton do filme “Os Fantasmas se Divertem”.  

A exposição “Monstros” parece estar sintonizada com uma tendência atual. Se olharmos em perspectiva todas as mídias, dos livros infantis, passando pela TV e Cinema até chegarmos aos games de computadores podemos concluir: barbie e animais fofos estão em baixa. Monstros, fantasmas, animais gosmentos e gelecas estão em alta. E quando as crianças tornarem-se adolescentes entrarão em cena os vampiros e seres da noite como os da série “Crespúsculo”. Por que este fascínio infantil por um imaginário que, do ponto de vista adulto, é mórbido, estranho e violento?

Crianças querem se sentir poderosas


Certamente o imaginário infantil sempre esteve às voltas com monstros e violência. Os contos de fadas transmitidos oralmente por séculos parecem comprovar isso. Quando no século XIX os Irmãos Grimm fizeram uma antologia dessas fábulas antigas como Cinderela, A Bela Adormecida, João e Maria, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho etc., eles retiraram elementos eróticos para as polidas audiências da época, mas mantiveram a violência. Dessa maneira apresentaram um mundo onde os vilões são habitualmente decapitados ou jogados em óleo fervente e gigantes são mortos por cortar gargantas de crianças.

Telas tridimensionais
Para pesquisadora de Havard Maria Tatar, o que distingue as crianças dos adultos é precisamente o que esse imaginário macabro dos contos demonstra: “exuberância, energia, mobilidade, irreverência, curiosidade e audácia que dão a eles energia para desafiar a agenda civilizada dos adultos” (WILSON, Eric G., Everyone Loves a Good Train Wreck Why We Can’t Look Away, Nova York: Sarah Crichton Books, 2012, p. 34).

No livro Killing Monsters: Why Children Need Fantasy, Super Heroes and Make-Believe Violence, Gerard Jones sustenta que crianças se identificam com violência ficcional porque faz se sentirem poderosas e confiantes diante de um mundo assustador e incontrolável. Crianças adoram se sentirem poderosas, porque seu universo é intrinsecamente carregado de medos e ansiedades.

Essa ideia retornaria aos conceitos estéticos de Aristóteles: ficções em torno de emoções destrutivas podem purgar esses sentimentos por meio da catarse. A experiência estética do macabro presente em livros, filmes, desenhos e mesmo em vídeo games seria útil e terapêutica.

Por exemplo, Eric G. Wilson apresenta um estudo onde crianças submetidas a vídeos violentos não se tornam violentas, enquanto jovens delinquentes se tornariam menos violentos.

Sensibilidade infantil pós-moderna


Nas ilustrações de monstros de Térsio Greguol também há um evidente caráter metalinguístico e paródico: referências a Tim Burton e aqui e ali pitadas da estética trash dos antigos filmes B de terror de Hollywood como A Múmia, Frankenstein, Boris Karloff e Vincent Price, além da estética HQ dos antigos quadrinhos e animações de Betty Boop ou da estética underground de Robert Crumb.

Essa estética pós-moderna metalinguística e irônica presente nos conteúdos infantis atuais é um fenômeno apontado por muitos pesquisadores, como o historiador Peter Burke sobre a paródia do super-homem feita pelo personagem Capitão Cueca:
“os truques com os quais se divertem, como trocar as letras no cardápio do almoço na cantina da escola, devem ser tão velhos quanto as próprias cantinas das escolas. Sob outros aspectos, entretanto, as histórias não são nem um pouco tradicionais. Podem até ser descritas como pós-modernas, graças não apenas às referências recorrentes a universos alternativos, mas também, especialmente, ao amor do autor pela paródia e especialmente pelas autorreferências. O herói, Capitão Cueca, é uma paródia de Super-Homem - um sujeito mais gorducho do que atlético, que canta loas às cuecas de algodão enquanto voa em suas missões para submeter os vilões à justiça. O Capitão também é apresentado ao leitor como criação de George e Harold, que passam boa parte de seu tempo, tanto em casa quanto na escola, escrevendo e desenhando tiras de quadrinhos sobre ele. Suas tiras são reproduzidas na série, de modo que os leitores se veem sugados para dentro de um mundo de quadrinhos dentro de um livro de quadrinhos. De maneira realmente pós-moderna, a divisão entre ficção e realidade vai perdendo nitidez à medida que as histórias se desenrolam”. (BURKE, Peter. “Crianças Pós Modernas” em "blog Controvérsia" )
Além dos aspectos arquetípicos que envolvem a identificação das crianças pelos monstros, há também essa sensibilidade pós-moderna paródica e metalinguística. Os velhos monstros dos filmes de terror e sci fi trash dos anos 1940-50-60 e todas as HQs e pulp fictions tornaram-se verdadeiros arquétipos contemporâneos. Parecem já pertencer a um inconsciente coletivo que as crianças parecem trazer no DNA da espécie.

A cada geleca pegajosa ou monstrinhos trash packs que as crianças carregam nos bolsos e nas lancheiras para o desespero dos pais, está a paródia dos monstros cheios de tentáculos e gosmentos do cinema que esses mesmos pais adoravam na infância.

Os monstros de Térsio Greguol são expressivos porque comunicam essa constelação do imaginário e sensibilidade infantis, atual e do passado. É maravilhoso ver como as crianças se deliciam ao ver imagens que materializam de forma lúdica e paródica suas ansiedades e medos.

A exposição “Monstros” de Térsio Greguol ficará aberta até o dia 31 de julho na Fnac, Loja Pinheiros na Praça dos Omaguás, 34, Pinheiros, São Paulo, de segunda a sábado das 10h às 22h e domingos das 10h às 20h.

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