sábado, fevereiro 28, 2015

Morsas e ostras mataram John Lennon?

A música mais enigmática dos Beatles aparece no maior fracasso comercial do grupo, o filme “Magical Mystery Tour” de 1967, hoje reavaliado como obra de arte ao nível do humor do grupo Monty Python ou do surrealismo de Buñuel. Inspirado no poema “A Morsa e o Carpinteiro” de Lewis Carroll, a música “I’m The Walrus” composta por John Lennon apresenta uma letra sombria, obscura e misteriosa com referências a genocídios, drogas e jovens que seriam seduzidos por uma “Morsa” que estaria levando-os para a destruição – no poema de Carroll aparecem “jovens ostras” . Será que a música foi alguma espécie de acerto de contas de Lennon com a culpa e o remorso de saber ter feito parte de uma gigantesca estratégia de engenharia social por trás da cultura pop? Em declarações dadas em uma entrevista em 1980, ele indica evidências, falando de “artesãos” que estiveram por trás dos Beatles e a ligação entre CIA e a droga LSD. Alguns meses depois, Lennon seria assassinado.

O grande e misterioso fracasso dos Beatles: o filme Magical Mystery Tour de 1967. “Beatles Mystery Tour desconcerta os espectadores”, estampava em uma manchete na primeira página do jornal Mirror da Inglaterra, dizendo que milhares de espectadores protestaram quando foi exibido na TV pela BBC.

“Bobagem sem sentido”, “lixo flagrante” e “ultrajante” foram as críticas mais leves sobre um filme que não se importava com qualquer sentido narrativo: mostrava um grupo de turistas em um ônibus que iniciava um “misterioso tour” pela Inglaterra em um ônibus panorâmico, onde “coisas estranhas começam a acontecer”, ao capricho de quatro magos performados pelos próprios Beatles que tudo observam, manipulando os acontecimentos.


O grupo de turistas é felliniano, como, por exemplo, a mulher gorda que pára em um restaurante de beira de estrada para comer montes de espaguete servidos com uma pá pelo garçom.


Pelo seu estranho senso de humor e simbologia obscura que nada lembrava os “fabulous four” de outros filmes anteriores como A Hard Day’s Night, Magical Mystery Tour acabou relegado ao desprezo absoluto. O que levou o próprio Paul McCartney a aparecer em público para pedir desculpas por um filme cujo impacto nos fãs e crítica fora tão negativo que levou as redes de TV dos EUA a suspenderem as negociações pelos direitos de transmissão.

Nos anos 1970 chegou a se exibido em “sessões da meia noite” em cinemas dos EUA para públicos underground. Hoje o filme é reavaliado como uma obra de arte cult com toques de humor negro ao estilo do Monty Python ou o surrealismo dos filmes de Buñuel.

Mensagens ocultas?


Desde então, as interpretações sobre o filme acabaram polarizadas entre os fãs que veem tudo como uma grande viagem psicodélica dos Beatles embalada por ácido após o impacto pela morte do seu empresário Brian Epstein, e cristãos fundamentalistas que encontram no filme (e em toda obra dos Beatles) mensagens ocultas satanistas.

Mas para aqueles que acreditam que os Beatles fizeram parte de experimentos de manipulação de massas do Instituto Tavistock de Relações Humanas (fundada em 1946 na Inglaterra através de doações da Fundação Rockfeller) e CIA envolvendo a manipulação da mente por meio de LSD e drogas psicodélicas, o filme é um prato cheio de pistas.

Principalmente quando assistimos à melhor sequência do filme ao som da música I’m The Walrus (“Eu Sou a Morsa” - veja o vídeo abaixo), composta por John Lennon, onde vemos o Beatle com uma fantasia do animal ao piano,  junto com o restante da banda com estranhas fantasias de outros animais, sendo seguidos por uma tropa de “eggmen” – bizarros homens vestidos de branco.

Lennon estaria se tornando cada vez mais consciente de que Os Beatles fariam parte de uma estratégia de corrupção, cooptação e infiltração na contracultura – e certamente na cena da música pop – de elementos de inteligência do governo secreto. O contexto dos anos 1960 era do auge da Guerra Fria, principalmente depois da chamada “Crise dos Mísseis de Cuba”. E a onda da beatlemania, revolução sexual, contracultura e protestos anti-bélicos não poderiam passar batidos pelos serviços de Inteligência.

E a enigmática música I’m The Walrus traria referências ocultas do uso deliberado da contracultura como instrumento de controle social e destruição.

“I’m The Walrus” e Lewis Carroll


Na sua última entrevista dada à revista Playboy em 1980, alguns meses antes do seu assassinato, John Lennon disse a respeito dessa música: “Criticava o Hare Krishina, Allen Ginsberg. Por exemplo, a referência “pinguim elementar” [expressão usada em um trecho da letra] é a atitude ingênua, de sair cantando “Hare Krishina” ou de jogar toda a sua fé em qualquer ídolo. Eu estava escrevendo de forma obscura, à la Bob Dylan, naquela época”.

A inspiração da música vem do poema narrativo chamado A Morsa e o Carpinteiro de Lewis Carroll e que aparece em uma sequência do livro Alice Através do Espelho de 1871.  Uma Morsa e um carpinteiro andam em uma praia onde o Sol e a Lua estão visíveis quando convidam quatro jovens ostras para darem um passeio pela praia. Sob a desaprovação de uma ostra mais velha, outras jovens ostras se juntam e formam um alegre grupo que segue a morsa e o carpinteiro numa alegre conversa. No final descobre-se que suas verdadeiras intenções eram predatórias, e que tudo não passou de uma escaramuça para devorá-las com pão e manteiga.


Os personagens da Morsa e do Carpinteiro já foram interpretadas de muitas maneiras, tanto pela crítica literária como pela cultura popular. Por exemplo, no filme Dogma o personagem Loki interpreta a Morsa como sendo Buda e o Carpinteiro Jesus. Ou ainda o poema teria conotações políticas, uma metáfora do sistema capitalista, segundo o ensaísta britânico J.B. Prietley.

A estrutura básica da canção de Lennon é um poema sobre o genocídio. A linha de abertura “I am he as you are he as you are me/And we are all together” é baseada na música que foi cantada pelos bôeres (Marcha de Pretória) na Guerra dos Bôeres, enquanto marchavam para a Cidade do Cabo, na África do Sul, em 1880. A marcha teve um final infeliz, com mulheres e crianças capturados e colocados em infâmes campos de concentração britânicos.

“Vejam como eles correm como porcos fugindo de uma arma/ Vejam como eles voam, eu estou chorando”, escreve Lennon. Quem chora na música é a Morsa que tudo observa, assim como a Morsa de Carroll, que também chora diante do trágico destino que as alegres ostras terão.

Na próxima estrofe, mais um massacre com a referencia ao “Bloody Tuesday” (Sentado em um floco de cereal/ Esperando a van chegar/ Corporação T-shirt/ estúpida maldita Terça-feira...) que ocorreu na África do Sul em 1946 quando trabalhadores de minas de ouro morreram em confrontos com a polícia.

A Morsa e o Apocalipse


No filme Magical Mystery Tour, essas duas estrofes que fazem referências a marchas históricas que terminaram em mortes são acompanhada pelas imagens ao mesmo tempo bizarras e simbólicas  dos eggmen (as ostras de Carroll?) acompanhando a Morsa e seus amigos Beatles fantasiados.  A Morsa brinca e dança para os eggmen como que atraindo-os, assim como no poema de Carroll a Morsa e o Carpinteiro ludibria as pobres ostras.

Carroll e Lennon também trabalham com referencias ao Apocalipse bíblico. Em A Morsa e o Carpinteiro lemos os seguintes versos:


“É chegada a hora”, disse a Morsa,
de falar muitas coisas:
De sapatos... e barcos... e vazas...
De repolhos e reis... e lousas...
E por que o mar tanto ferve
E se os porcos têm asas.

No livro do Apocalipse descreve-se como os mares irão secar e os “sete selos”. Lennon acopla essa densa imagem de Carroll ao apocalipse da Guerra dos Bôeres com porcos que voam. Certamente Lennon compreendia o significado real dado por Carroll. 

Lennon também menciona “porcos voadores”, relacionando essa metáfora de Carroll do Apocalipse mais à frente na música com “Lucy in The Sky”:

Mister City Policeman sitting, pretty policemen in a row
See how they fly like Lucy in The Sky, see how they run
I’m crying, I’m crying
I’m crying, I’m crying

“Lucy in The Sky” é a óbvia referencia à música Lucy In The Sky With Diamonds dos Beatles (do álbum Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band) , um mnemônico para a droga LSD.  Logo depois, Lennon fala que ele é a Morsa e que chora, assim como a Morsa de Carroll. Será que Lennon estaria tentando avisar de que chora lágrimas por estar consciente de que a música pop e drogas estão atraindo os jovens (as ostras?) como parte de uma política de controle social e destruição?

A CIA e o LSD


Na sua última entrevista, John Lennon demonstra estar consciente disso: “Não podemos deixar de agradecer à CIA e ao Exército pelo LSD. Eles inventaram o LSD para controlar as pessoas e o que nos deram foi a liberdade.”


A música I’m The Walrus poderia ter sido um acerto de contas de Lennon com o seu remorso e culpa de estar fazendo parte de toda uma engrenagem política de engenharia social? A utilização da metáfora sobre o genocídio de Carroll em uma música inserida num filme que ultrajou a sociedade inglesa, seu posterior auto exílio entre 1975 e 1980 e a corajosa declaração para a Playboy demonstram que Lennon estava ciente da extensão de uma estratégia na qual ele e outros artistas são usados ingenuamente em enormes esquemas de manipulação social.

E por fim, depois de sair do auto exílio com Yoko Ono e dar a reveladora entrevista de 1980, Lennon é assassinado por um típico “candidato manchuriano” – expressão que designa a criação deliberada de múltiplas personalidades em uma pessoa por psiquiatras dentro do projeto de controle mental levado a cabo pela CIA e militares, o MKULTRA. Projeto hoje fartamente documentado, o assassino Mark Chapman poderia ter sido o agente implantado pelo MKULTRA para calar de uma vez por todas um antigo instrumento que ameaçava sair fora do controle – leia os textos ROSS, Colin A. The Cia Doctors: Human Rights Violations by American Psychiatrists, 2006 e Caos Y Terror Manufacturado por la Psiquiatria, Comisión de Ciudadanos por los Derechos Humanos.

Ainda nessa fatal entrevista, John Lennon usa a ambígua expressão “craftsman” (“artesão” que pode ser compreendida tanto como no sentido para designar o “artista” como a expressão usada por mágicos e ocultistas para designar suas práticas). Lennon disse que os Beatles foram produtos de “artesãos”: “Eu também tinha me tornado um artesão e poderia ter continuado a ser um artesão. Eu respeito os artesões, mas não estou mais interessado em me tornar um”.

               Lennon não poderia simplesmente cair fora. E parece que os “artesãos” não gostaram muito disso.





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