terça-feira, dezembro 01, 2015

CAOs, espiral do silêncio e a crise autorrealizável


As intermináveis reviravoltas da Operação Lava Jato; o processo contra o presidente da Câmera dos Deputados Eduardo Cunha envolvendo diversas instituições e paralisando o Congresso. E como pano de fundo, o País à beira do abismo da crise econômica. A grande mídia chegou ao estado da arte: a guerrilha semiótica organizada pela tática de CAOs (Consonâncias, Acumulações e Onipresenças das informações) turbinada por duas bombas semióticas: a profecia autorrealizável e a espiral do silêncio. As mídias abandonaram o campo da propaganda tradicional (repetição, persuasão e reforço) para ingressar no campo sofisticado da cognição - mais do que discursos e conteúdos informativos, construir percepções por meio de CAOs. Mesmo quando desmentidas, essas informações nunca mais serão falsas porque já foram credíveis no clima de opinião.

Era 1997. A Globalização e a desregulamentação dos mercados triunfavam. Os chamados Tigres Asiáticos (Taiwan, Coréia do Sul, Hong Kong, Tailândia e Cingapura) eram o modelo econômico para o século XXI. De repente se transformaram no epicentro de uma onda de pânico afundando as Bolsas em todo o mundo. Boatos e medo invadiram a suposta racionalidade dos investidores que passaram a girar histericamente em torno do próprio umbigo em uma onda de vendas baseada nas opiniões de outros investidores provocando uma espiral viciosa de especulação.

Na época, analistas de investimentos como Barton Biggs da Morgan Stanley apontaram o pânico e a retroalimentação à ausência de memória dos profissionais financeiros: com a ausência de História Econômica na formação acadêmica, os profissionais eram condenados a repetir ciclicamente os mesmos erros, desde o crash de 1929.


Corta para uma loja de conveniência de um posto de gasolina em um bairro periférico de São Paulo no último final de semana. Em frente à porta dois homens conversam sobre a atual crise econômica. Um deles segura um folder de lançamento imobiliário que, pela qualidade gráfica, parecia ser de alto padrão. Ele mostra para seu interlocutor as fotos do interior do apartamento. “Isso só o Lula compra...”, comenta ironicamente o outro.

Embora distantes no tempo esses dois episódios guardam um elemento em comum: são produtos do chamado “clima de opinião” – elemento atmosférico e pontual da comunicação criado por momentâneas Consonâncias, Acumulações e Onipresenças (CAOs) de informações pela grande mídia – cria-se uma deliberada percepção de que determinado fato ou prognóstico é crível e verossímil.

Crise dos Tigres Asiáticos 1997
No episódio de 1997, um prognóstico se transformou em crença, autorrealizando o crash financeiro asiático; e no pequeno conto da loja de conveniência, a lenda urbana do tríplex no Guarujá de Lula repercutida na grande mídia e depois em redes sociais mesmo após desmentidos. Como visto nesse flagrante, agora a informação desmentida combina-se com as CAOs da crise econômica.

Mas também há um fator mais profundo: a ausência de memória - agentes financeiros agem sob o efeito de manada, já que não possuem a memória dos movimentos cíclicos históricos; assim como o pânico paralisante da atual crise econômica não toma como comparação os períodos de hiperinflação e maxidesvalorizações de décadas anteriores.

E diante das CAOs da crise econômica ninguém se pergunta como de uma hora para outra o Brasil passa, de queridinho do planeta, para um país podre, decadente e sem futuro.

Clima de opinião e profecias autorrealizáveis são as principais bombas semióticas que mostram como a comunicação midiática há muito tempo deixou o campo da propaganda tradicional (repetição, persuasão e reforço) para ingressar no campo sofisticado da cognição - mais do que discursos e conteúdos informativos, construir percepções por meio das CAOs.

Clima de opinião e a verdade virtual


Certa vez o pensador francês Jean Baudrillard refletiu como ambiente midiático privilegia a credibilidade e a verossimilhança (percepção) no lugar da verdade: lançada a informação, enquanto não for desmentida será verossímil. Nunca a informação poderá ser desmentida em tempo real. Portanto, será credível. Mesmo depois de desmentida, nunca mais será falsa, porque foi antes credível.


Para Baudrillard, o problema da credibilidade é que ela não tem limites. Diferente da Verdade, é impossível de ser refutada por ser virtual – leia BAUDRILLARD, Jean, “A Informação no Estágio Meteorológico” In: Idem, Tela Total, Sulina, 1997. 

A percepção da realidade (clima de opinião + credibilidade) é construída por um mecanismo de massa bem conhecido por sociólogos e pesquisadores em comunicação : a chamada “espiral do silêncio”, conceito criado pela cientista política alemã Elizabeth Noelle-Neumann em 1977.

Espiral do Silêncio e a Profecia Autorrealizável


O fenômeno da espiral do silêncio partiria de uma percepção equivocada do indivíduo (a “ignorância pluralista”) do que ele acredita ser um clima de opinião -  podemos ter uma opinião que pode ser modificada frente a uma posição que achamos ser majoritária.  Algo assim: se todos veem a coisa de uma maneira diferente do que penso, deve ser porque estou errado.

Para Noelle-Neumann os indivíduos parecem ter um “órgão quase estatístico”, uma espécie de sexto sentido sobre o que a sociedade em geral está pensando ou sentindo. Para a pesquisadora, a mídia, e em particular a TV, acelerariam esse processo de silenciamento de uma suposta minoria ao criar um clima de opinião através das CAOs.

 Por isso, a espiral do silêncio cria a profecia autorrealizável – se cada um acha crível uma suposto prognóstico ou clima de opinião teremos dois resultados: ou a suposta minoria se cala ou adapta sua opinião à uma tendência supostamente crescente. A falsa situação inicial suscita um novo comportamento que faz a situação originalmente falsa se tornar verdadeira.


CAOs e a crise autorrealizável


Do escândalo do Mensalão em 2005 a atual tour de force da Operação Lava Jato, a grande mídia vem aprimorando esse ciclo vicioso cujo ápice é a bomba semiótica mais potente pelas suas consequência práticas e reais: a crise econômica autorrealizável por meio das CAOs.

Desde a crise do Mensalão, a grande mídia veio batendo na pauta do moralismo lacerdista da corrupção, das denúncias seletivas, na repetição de uma mesmo argumento: o Estado, o Governo e o PT são corruptos e corruptores, um câncer cuja metástase ameaça levar todo o País ao abismo da crise.

Mas a grande mídia precisava de uma arma mais decisiva que transformasse a repetição propagandística do discurso da corrupção e da urgência da moralização do País em efeitos mais reais e contundentes: a bomba semiótica da profecia autorrealizável.

Essa bomba semiótica já estava sendo testada, como, por exemplo, nas CAOs do “Caos Aéreo”. Após o acidente do voo 3054 da TAM em Congonhas em 2007 a consonância da pauta nas mídias sobre um suposto Caos Aéreo foi tão grande que no ano seguinte um incêndio em uma loja de colchões em São Paulo próxima a Congonhas fez veículos como Globo News e Record News noticiarem a queda de um avião.

Notícias de mais uma explosiva evidência do “Caos Aéreo” interromperam a transmissão ao vivo da CPI dos Cartões Corporativos – outro desdobramento das CAOs do Mensalão. Por uma hora veículos de imprensa sustentaram uma tentadora notícia que daria mais combustível à pauta do Caos Aéreo – emissoras e portais de notícias começaram a creditar a notícia uns aos outros, girando em torno dos seus umbigos no esforço de sustentação da pauta.


Por uma hora, a queda de um suposto avião da empresa Pantanal sobre uma loja de colchões foi crível por confirmar as CAOs pré-existentes. Mesmo após o desmentido da evidente “barriga” jornalística, os efeitos demoraram para serem diluídos porque a notícia da queda virtual já havia reforçado subliminarmente por mais um tempo o Caos Aéreo.

A doença infantil da Comunicação


Hoje, chegamos ao estado da arte dessa bomba autorrealizável: as CAOs da Operação Lava Jato combinada com as CAOs das denúncias sobre o presidente da Câmera dos Deputados Eduardo Cunha paralisaram política e economicamente o País: a percepção do clima de opinião da crise econômica (ela própria já tornou-se uma CAOs independente) se autorrealiza como verdade, produzindo efeitos econômicos concretos.

Diante dessa política de terra arrasada que orienta a grande mídia ao articular simultaneamente diferentes CAOs, podemos chegar a duas conclusões:

(a) O PT parece ter levado a sério a afirmação do jornalista Argemiro Ferreira no célebre documentário Muito Além do Cidadão Kane: “Onde há governo há Rede Globo porque o Roberto Marinho é um realista”. Acreditaram que naturalmente o suposto pragmatismo da família Marinho faria a grande mídia apoiar os governos petistas por pura necessidade de sobrevivência econômica. Deixaram de contar não só com a fidelidade de classe (afinal, a grande mídia pertence à chamada “Casa Grande” brasileira) como ignorou a própria natureza da mídia: ser o Quarto Poder por meio das CAOs;

(b) O PT é mais uma vítima da doença infantil da comunicação: o conteudismo. Hoje a Esquerda comemora a aprovação pelo Senado do Projeto de regulamentação do direito de resposta a ofensas da mídia. Otimismo equivocado porque não percebe que grande mídia atua em outra cena: não mais a da informação, dos conteúdos ou dos argumentos. Mas no ambiente etéreo e atmosférico das CAOs, percepções e climas de opiniões.

Enquanto o ciclo vicioso das CAOs não for quebrado pela própria quebra dos monopólios midiáticos (a base econômica que produz espirais e autorrealizações) nenhum direito de resposta surtirá efeito. Mesmo porque após desmentida, a informação jamais deixará de ser “verdadeira” pois no clima de opinião foi uma vez credível.

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