segunda-feira, junho 19, 2017

Globo prende o Brasil de 2017 na realidade alternativa do "Brazil" de 1984, por Manoel de Souza Neto


No livro “1984” George Orwell declarou: “quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”. Na série “Os Dias Eram Assim”, sobre os anos da ditadura militar brasileira, a Globo altera o passado, misturando ficção e realidade, para criar a imagem de que a emissora supostamente apoiou as manifestações pelas “Diretas Já” em 1984. A série foi "coincidentemente" produzida num momento em que retornam as manifestações pelas eleições diretas à presidência. A Globo quer criar uma realidade alternativa sobre o passado no delicado momento político atual – a pauta “Fora Temer”, atiçada pela poderosa emissora, foge ao controle nas ruas e evolui para “Diretas já!”. Diante dessa ameaça, a Globo reage com estratégia sincromística e tautista. Quem nos explica é Manoel de Souza Neto.

O sincromisticismo das datas está em ação novamente? O ano de 1984, tem um significado emblemático para os brasileiros. Para além de suas outras significâncias entrecruzadas, temos em especial nesse ano o clássico de Orwell, a produção de Brazil, O filme (lançado em 1985) e os comícios em prol de eleições Diretas Já - que criam tramas entre tempo e espaço, que produzem o real-distópico, que se torna a própria realidade de uma nação que é a própria ficção.

Dentro da lógica do "CosmoGnóstica" apresentada pelo portal CineGnose em diversas analises fílmicas (O Décimo Terceiro Andar, Matrix, Show de Truman e Brazil) a realidade se apresenta como universos simulados, multiversos, e realidades que copiam as histórias distópicas.

Um exemplo recente disso ocorreu no começo de junho de 2017 quando a Rede Globo de Televisão apresentou em seu seriado Os Dias Eram Assim graves distorções do período Ditadura Militar no Brasil - com novas mentiras apresentadas aos espectadores com ares de distopia aos moldes de 1984 de George Orwell.

No seriado, a Rede Globo deixa a entender que as barbaridades ocorridas na época da Ditadura foram unicamente culpa de um ou outro "torturador", como se não fosse o regime  político a responsável pelas atrocidades. A culpa seria de um delegado e um empresário, relativizando os assassinatos em massa e a repressão a meros casos isolados cometidos por apenas alguns poucos.


A série global e a crise política atual: coincidência?


Mas não ao acaso, em meio à produção de um seriado que trata de "liberdade" e de luta pela democracia no Brasil dos anos 60 e 70, a própria emissora promove graves denúncias contra o presidente Michel Temer (já considerado um governo autoritário), revelando as entranhas e o cheiro fétido da república fruto das relações espúrias entre JBS e mais de 1.800 políticos que foram "patrocinados" pela corrupção.

O empresário Joesley Batista dono da bilionária JBS acusa o presidente de ser "o chefe da quadrilha mais perigosa do Brasil".

A sociedade perplexa assiste ao cinismo de um congresso corrupto que, após ser denunciado, segue disposto a promover reformas pró austeridade mesmo não tendo legitimidade para se manterem em seus cargos diante da corrupção revelada.

Coincidência ou não, nesse ano, enquanto em todo o Brasil as massas pedem Eleições Diretas Já e que Temer saia da presidência, a Rede Globo exibe a série Os Dias Eram Assim retratando o momento histórico em que o Brasil vivia em 1984, quando ocorriam manifestações pelo Brasil pelas Diretas Já.

Na Globo: Os dias NÃO foram assim...

Manipulação do presente e do passado


Diante da manipulação do presente, surge a manipulação do passado. Ocorreu diante das câmeras a criação de um futuro alternativo diante da distorção do passado. Em uma cena onde o movimento Diretas Já vai para as ruas com um milhão de pessoas em 1984, a emissora editou imagens reais com a ficção, mas esqueceu de dizer a verdade.

Na edição, a Globo muda o passado, mostrando em televisores nas casas dos personagens a cobertura das “Diretas Já”. Mas não revelou que na época a cobertura apresentou o evento como parte das comemorações do aniversário de São Paulo, impedindo que as massas soubessem de que se tratavam de um milhão de pessoas nas ruas protestando contra o regime militar.

A edição sugere que a Globo cobriu e apoiou as manifestações, algo que nunca ocorreu. Resultando em frustração e perda dos movimentos sociais que foram obrigados a esperar até 1989 para votar diretamente para presidente.

O tautismo da Globo é recorrente. Diante das críticas da sociedade e das manifestações populares ocorridas desde 2013, (a emissora é recebida em todos os cantos aos gritos de "Fora Globo", "Abaixo a Globo", "O povo não é Bobo", "A realidade é dura, a Rede Globo apoiou a Ditadura"), ao invés de reconhecer o erro a Globo lançou nota histórica em seu portal, afirmando que fez a cobertura dos eventos ocorridos em 1984 ao ter feito a seguinte chama em seu telejornal: “Festa em São Paulo. A cidade comemorou seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé.” (http://memoriaglobo.globo.com/erros/diretas-ja.htm).

Diretas Já em 1984: "festa em São Paulo..."

A emissora tenta se justificar que, após alguns meses de movimentação popular, diante das pressões do militares, acabou cobrindo os eventos seguintes naquele mesmo ano. Versão que não isenta a Globo das mentiras históricas deste e de inúmeros outros fatos distorcidos que foram apresentados para as massas. 

Por exemplo, quando recentemente promoveu e apoiou as manifestações de classes altas conservadoras e encobriu manifestações populares.

Como a nota da Rede Globo tentando se isentar dos erros do passado aparentemente não surtiu efeito, e diante da demanda política que atualmente interessa para a emissora com a chamada para antecipação de eleições diretas na atualidade (2017), a Globo parte para a tática da manipulação do passado.

A ação se dá ao tentar misturar a ficção e realidade, tentando convencer a população através de um seriado, de que em uma realidade alternativa em 1984, a Globo cobriu e apoiou aquele comício pelas “Diretas Já”.

A realidade daquele ano de 1984 está cada vez mais distante. E em um universo paralelo, na simulação, aproxima-se e nos encontra no presente que é cada vez mais próximo ao ano de 1984 da ficção.


Manoel J. de Souza Neto - Cientistas Político, pesquisador, escritor e agitador cultural, é editor do Observatório da Cultura e Diretor do Museu do Som Independente. Foi por 6 mandatos Membro da Câmera/Colegiado Setorial de Música e Conselho Nacional de Políticas Culturais/MINC (2005/2017). Publicou diversos artigos em revistas e livros, e também é o organizador do livro “A [Des]construção da Música na Cultura Paranaense”.

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