quinta-feira, fevereiro 08, 2018

Curtas da Semana: " Restart" e "Einstein-Rosen" - uma sensibilidade gnóstica do Tempo-Espaço


Uma jovem é sequestrada e levada para um bunker subterrâneo para ser uma cobaia humana em experiência de loop temporal pelo obscuros interesses corporativos de uma empresa. E em 1982, junto com seu irmão, um menino procura um " buraco de minhoca" no tempo-espaço de uma área do prédio em que mora. Para jogar através da passagem a bola que recuperará 35 anos depois no mesmo local. Esses são os curtas espanhóis "Restart" e " Einstein-Rosen" de Olga Osorio. Duas produções que mostram como a mitologia gnóstica hoje tornou-se o "espírito do tempo": uma nova sensibilidade ou olhar para a realidade tanto política quanto existencial.

                Doutora em Humanidades e professora de Montagem na Faculdade de Ciências da Comunicação da UDC (Universidade da Coruña), a espanhola Olga Osorio é fascinada por paradoxos temporais e abordagens quânticas sobre o tempo e o espaço.

O Cinegnose apresenta dois curtas recentes de Osorio, interligados por questões temáticas e também familiares: Restart (2015) e Einstein-Rosen (2016). O primeiro, uma versão do filme clássico O Feitiço do Tempo (aka Dia da Marmota, 1993), porém mais violento; e o segundo, retomando o tema sobre loop temporais – um curta com tom mais familiar ao estilo De Volta Para o Futuro. Principalmente, porque foi resultante da discussão com os seus dois filhos sobre curta Restart, que também estrelam no filme.

Esses dois curtas são pequenos exemplos de um outro tipo de abordagem pós-moderna sobre o Tempo. Em postagens anteriores, discutíamos que enquanto nos filmes clássicos modernistas como a série televisiva O Túnel do Tempo (1966-67) o passado é imutável, por mais que os protagonistas Doug e Phillips tentem, por exemplo, avisar para o capitão que o Titanic vai bater num Iceberg, na sensibilidade pós-moderna o Tempo é moldável – poderíamos alterar o passado, criando exponencialmente múltiplas linhas temporais paralelas, como nos filmes O Efeito Borboleta (2004) ou Sr. Ninguém (2009).

                 Mas esses dois curtas também apresentam um outro lado dessa sensibilidade pós-moderna: também é figurada a impossibilidade de alterar o passado, porém o protagonista está prisioneiro em um loop criado artificialmente por algum tipo de Demiurgo – uma divindade enlouquecida ou algum gigante corporativo com interesses obscuros. Ao contrário de O Túnel do Tempo, a inevitabilidade da seta do Tempo é uma construção artificial, uma armadilha para aprisionar o protagonista. É a abordagem gnóstica sobre o Tempo.



Os Curtas


Em 2015, uma empresa chamada ReStart começa a fazer as primeiras experiências de viagens temporais com humanos. Quatro anos depois o Governo proibiu os experimentos e ordenou a fechamento da empresa. Porém, secretamente, os experimentos continuaram como acompanhamos no curta.

Caminhando por uma linda vista da costa espanhola dominada pela presença de um farol, uma jovem mulher é repentinamente sequestrada por misteriosos assaltantes. Jogam ela em um carro, para leva-la para um bunker subterrâneo.

A partir daí, ela é forçada a reviver esse dia do sequestro em um loop temporal. Porém, de uma forma especial: a protagonista retorna para esse dia para, à distância, testemunhar seu próprio sequestro. Quando o sequestro termina, ela retorna para o presente. A princípio ela acredita que está sofrendo algum tipo de confusão mental ou delírio por algum tipo de trauma como prisioneira.

                 Aos poucos perceberá que a situação é real. O tempo é imutável? É possível alterar o passado para conseguir sair daquela prisão? Quais as implicações que o passado tem para o nosso presente? Ou para o futuro? Osorio aborda essas questões em uma narrativa elegante, meditativa, utilizando os temas predominantes na ficção-científica.



Ele tentará alterar o passado, porém aqueles misteriosos assaltantes são violentos e farão de tudo para manter o loop temporal.

Já em Einstein-Rosen acompanhamos a estória de dois irmãos em um gap de 35 anos – 1982 e 2017. Pelo título do curta, dá para perceber que a narrativa leva a sério a chamada “ponte Einstein-Rosen”, os chamados “buracos de minhoca” – atalhos hipotéticos pelo tempo-espaço previstos por Albert Einstein e Nathan Rosen em 1935.

Óscar é um garoto de nove anos determinado a encontrar um buraco de minhoca que, segundos seus cálculos, está no pátio do edifício em que moram. Seu irmão Teo não acredita nem um pouco na experiência do irmão, e está mais preocupado com a mãe que chama para o almoço, sob pena de perder a sobremesa.

Teo vira as costas enquanto Óscar olha maravilhado a bola se perder no buraco previsto. Será que as informações do objeto se perdem na travessia, e nada restaria do outro lado?

                 Trinta e cinco anos depois Óscar tem a resposta. No mesmo local, junto com seu irmão, testemunham a chegada da bola... e de uma série de brinquedos, inclusive a tartaruga do irmão que Óscar usou para o experimento. E que o irmão Teo julgou, em 1982, ter sido atropelada por um carro e desaparecido.




A sensibilidade gnóstica

                 A narrativa do primeiro curta parte de dois elementos clássicos da mitologia gnóstica: os obscuros interesses corporativos da ReStart com cobaias humanas nos experimentos em viagens no tempo - a figura do Demiurgo. E a protagonista prisioneira em uma armadilha, o loop temporal, na qual está condenada na observar a si mesma sendo sucessivas vezes raptada.

O que torna flagrante a sensibilidade gnóstica de Olga Osório é que o loop temporal não é uma decorrência natural da seta do tempo. Mas um constructu, uma deformação artificialmente criada pelos interesses corporativos da ReStart.

                Como "sensibilidade", a narrativa do curta reflete o espírito do tempo atual - a paranoia que vai além da conspiração política, para chegar ao plano existencial ou metafísico: a própria condição humana nesse cosmos físico, condenada a repetir o mesmo tipo de erro fazendo a humanidade colaborar com a manutenção da própria prisão através do esquecimento ou confusão mental.

                A protagonista a princípio procura uma racionalização psicológica para as "alucinações": algum tipo de trauma psíquico. Mas aos pucos toma consciência da situação, cono em um sonho lúcido, tentando intervir no curso dos acontecimentos.



                O curta Restart suscita diversas questões: os constantes recomeços para reencenar o mesmo drama e o esquecimento - assim como a reencarnação, para os gnósticos também uma espécie de loop que nos mantém prisioneiros no mundo físico, sempre sob a ilusão do recomeço, proporcionado pelo esquecimento.

                E em Einstein-Rosen, uma variação do loop temporal, um "buraco de minhoca" que produz a simultaneidade do passado e presente. E outra forma de ilusão e esquecimento: Teo preocupa-se apenas com a tartaruga supostamente perdida na infância, sem se dar conta da grande descoberta do irmão: a natureza artificial do tempo-espaço.

               Esses curtas são dois pequenos exemplos de como a mitologia gnóstica (que era explicitamente explorada em produções como a Trilogia Matrix) hoje diluiu-se na produção audiovisual, para tornar-se uma sensibilidade, um "espírito da época".

              Depois de décadas de Gnosticismo secretamente inspirando da Física Quântica, passando pela literatura sci-fi até chegar ao gnosticismo pop de Hollywood, hoje tornou-se, por assim dizer, o tom pelo qual estamos enxergando a realidade política e existencial.  


Ficha Técnica 

Título: Restart - Einstein-Rosen
Diretor: Olga Osorio
Roteiro: Olga Osorio
Elenco:    Narta Larralde (Restart); Xulio Abonjo, Ricardo de Barreiro, Teo Galiñanes, Óscar Galiñanes
Produção: Miss Movies, EIS - Escola de Imaxe e Son
Distribuição: Vimeo
Ano: 2015-2016
País: Espanha

Postagens Relacionadas




Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review