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quarta-feira, maio 11, 2022

A releitura gnóstica do Paraíso bíblico na era das mídias sociais na série 'Bem-vindos ao Éden'


Publicidade cada vez mais se aproxima das seitas e religiões. Assim como essas, a Publicidade não oferece mais produtos, mas agora “experiências” que prometem autoconhecimento e uma nova vida, tentando “espiritualizar” o consumo. Na série Netflix espanhola Netflix “Bem-Vindos ao Éden” (2022- ), uma festa em uma ilha que aparenta ser uma ação de marketing de uma nova bebida energética para jovens selecionados nas redes sociais, revela que por trás está uma seita baseada na nova religiosidade ecumênica global: espiritualismo New Age combinado com ambientalismo que promete a “salvação” do apocalipse climático. Prisioneiros em uma ilha paradisíaca numa série que faz releitura CosmoGnóstica do Paraíso bíblico para a geração das mídias sociais. 

domingo, novembro 13, 2016

Curta da Semana: "Are You Lost In The World Like Me?" - o espelho negro do smartphone


Mais um protesto antissistema que parte do interior do próprio mainstream musical. É o vídeo-clip “Are You Lost In The World Like Me?” do DJ norte-americano Moby. Uma animação onde Disney parece se encontrar com Aldous Huxley. Um mundo distópico de tecno-fatalismo no qual todos são escravos dos verdadeiros espelhos negros narcísicos atuais representados pelas telas dos smartphones. Como todo produto industrializado que quer ser anti-establishment, forma e conteúdo estão em conflito – invoca o arquétipo do Estrangeiro (alienação e estranhamento) mas, ao mesmo tempo, cria um melancólico conformismo com a previsível estética da animação vintage e o retrô musical dos anos 1980. É a “Adgnose” na Publicidade atual.

sábado, setembro 27, 2014

O carro e a experiência fora do corpo

Um carro pode proporcionar uma experiência mística fora do corpo? Com a análise semiótica em 360 graus do caso do filme publicitário do Novo Honda Civic 2015, que apresenta o consumo como um ato muito mais de transformação espiritual do que de aquisição, o curso "A Linguagem das Mercadorias" da pós em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi fez seu último encontro dissecando a mais nova ferramenta semiótica: a “Adgnose”. Diferente das formas anteriores de busca de identificação do consumidor por meio de fantasias-modais (através de pesquisas por perfis sócio-econômicos e de estilos de vida), hoje o Marketing e a Publicidade obtêm o descolamento máximo do consumo em relação à materialidade do produto com a exploração dos arquétipos: símbolos e imagens do inconsciente coletivo. Surge uma irônica operação semiótica publicitária: ao invés de “comprar-consumir-ter”, agora temos “comprar-consumir-espiritualizar-se”.

Nessa última segunda feira (22 de setembro) esse humilde blogueiro ministrou o último encontro do curso “A Linguagem das Mercadorias” da pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi (informações sobre o curso clique aqui). Nos seis encontros do curso, acompanhamos como a linguagem que promove as mercadorias no capitalismo através da Publicidade foi progressivamente tornando-se cada vez mais abstrata: estudamos uma série de ferramentas semióticas que operaram um verdadeiro descolamento dos signos em relação à materialidade dos produtos.

Vimos que essa operação de “descolamento” é necessária por duas exigências econômicas bem concretas:


(a) Acompanhando o raciocínio dos teóricos da chamada Crítica da Estética da Mercadoria (Peter Haug, Michael Schneider), percebemos que todas as estratégias do Capital em maximizar lucros se chocam no limite físico do valor de uso das mercadorias: sua materialidade e finitude pode limitar o consumo no tempo e espaço (satisfação, saciedade, durabilidade etc.), diminuindo a velocidade da substituição dos produtos no mercado. Por isso, historicamente o grande papel da Publicidade foi convencer o consumidor a comprar o produto não pela sua utilidade, mas pela inutilidade. Isto é, associar o produto simbolicamente a um tipo de signo que torna-se cada vez mais abstrato.

segunda-feira, agosto 11, 2014

Editor do Cinegnose dá curso sobre linguagem das mercadorias na pós em Comunicação e Semiótica

O humilde editor desse blog inicia no dia 18 de agosto o curso “A Linguagem das Mercadorias” na pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo. Um curso com proposta, por assim dizer, “maquiavélica”: ao mesmo tempo em que oferecerá ferramentas práticas derivadas da semiótica e psicanálise para profissionais de gestão e criação em publicidade, marketing e comunicação, também desenvolverá ferramentas críticas para o consumidor se proteger das manipulações e abusos da indústria do consumo e entretenimento.

Esse humilde blogueiro inicia no dia 18 de agosto o curso na pós graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi intitulado “A Linguagem das Mercadorias”. O curso pertence ao módulo 2 da pós lato sensu da Universidade cujo objetivo é a aplicabilidade das ferramentas da Semiótica na criação e gestão de processos criativos em comunicação, marketing e publicidade.

O curso é composto de seis encontros, todas as segundas das 19h às 22h40 no campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

segunda-feira, junho 09, 2014

Conceito "Cinegnose" é agora verbete em nova edição do Dicionário da Comunicação

O conceito criado por esse humilde blogueiro e a razão da existência desse blog – a noção de “cinegnose” – foi transformado em verbete no “Dicionário da Comunicação – segunda edição revista e ampliada”, lançado na semana passada pela Editora Paulus. Juntamente com os verbetes “filme gnóstico” e “adgnose”, também criados nas pesquisas do blog, o "Dicionário da Comunicação" organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho abre a oportunidade para que as pesquisas sobre as confluências entre Gnosticismo, Cinema e Comunicação que foram iniciadas pelo “Cinema Secreto: Cinegnose” se fortaleçam e ganhem espaço dentro dos estudos científicos da área. As pesquisas iniciadas por esse blog se juntam, portanto, às pesquisas da chamada Nova Teoria da Comunicação: o estudo do fenômeno comunicacional como acontecimento e transformação pessoal e coletiva. E para o blog, a abertura para fenômenos espirituais como a gnose.

Na semana passada foi lançado em São Paulo o Dicionário da Comunicação - segunda edição revista e ampliada, pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho da ECA/USP. Esse humilde blogueiro fez parte dos 80 colaboradores nacionais e internacionais que trouxeram novas correntes de pesquisas e olhares para a comunicação, incluindo diferentes linhas de pensamentos.

Nesta nova edição do dicionário esse blogueiro que escreve essas mal traçadas linhas foi convidado a transformar em verbetes alguns conceitos desenvolvidos por esse blog dentro do nosso projeto de convergência dos conceitos da Teoria da Comunicação e Cinema com o Gnosticismo: “adgnose”, “filme gnóstico”, “cinegnose”, “arquétipos contemporâneos”, “agenda tecnocientífica”, “cinema esquizo”, além de conceitos tradicionais da ciência da comunicação como “agenda setting” e “mitologia” – no sentido dado pelo semiólogo francês Roland Barthes.

domingo, fevereiro 09, 2014

Publicidade explora a geometria sagrada subliminar

Atualmente a inteligência visual publicitária vem mobilizando técnicas cada vez mais sofisticadas que exploram recursos não apenas psicológicos ou comportamentais, mas agora atinge uma dimensão de simbolismo mais profundo: a chamada “geometria sagrada”, expressão usada pelo esoterismo e gnosticismo para designar toda uma área de estudos de como as formas geométricas básicas representam conteúdos arquetípicos e padrões (modelos, ritmos e proporções) que integram o repertório que permite tanto a Natureza como o psiquismo humano se expressar. Com o auxílio das técnicas da semiótica visual, círculos, quadrados e triângulos estariam sendo instrumentalizados para criar uma verdadeira geometria subliminar.

Quantos de nós veem? Em uma cultura onde a informação é transmitida numa forma predominantemente visual, enxergar ou olhar para telas, displays, outdoors, placas, impressos etc. parece ser uma função natural e espontânea. Não nos importamos muito com essa função, a não ser nos seus aspectos oftalmológicos quando necessitamos de lentes corretoras ou de intervenções cirúrgicas.

Continuamos a enxergar ou olhar, mas, de fato, realmente vemos? Essa simples pergunta abrange uma longa lista de atitudes ou funções multilaterais como observar, perceber, compreender, reconhecer, contemplar, descobrir, entre outras. Pesquisadores como Donis A. Dondis sugerem uma complexa “inteligência visual” por trás do simples ato de olhar e aponta para a necessidade de uma “alfabetização visual” para que possamos compreender mais facilmente os significados assumidos pelas formas visuais - Leia DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual, Martins Editora, 2009.

terça-feira, julho 17, 2012

"Ad-Gnose: a Engenharia do Espírito na Publicidade" será discutida na COMUNICON 2012

Foi aceito o resumo expandido de um artigo científico desse humilde blogueiro submetido à comissão de avaliação do II Congresso Internacional Comunicação e Consumo - COMUNICON 2012, evento que será realizado nos dias 15 e 16 de outubro na Escola Superior de Propaganda e Marketing em São Paulo com o tema “Comunicação, Consumo e Ação Reflexiva: caminhos para a educação do futuro” (clique aqui para ver a programação). O resumo expandido refere-se ao artigo “Ad-gnose: a engenharia do espírito na publicidade”.

O artigo será apresentado dentro do Grupo de Trabalho"Comunicação, Consumo e Cultura Contemporânea; Imagem, Cidade e Juventude"

“Ad-gnose” foi um conceito criado a partir das pesquisas nesse blog sobre a linguagem publicitária contemporânea: as estratégias publicitárias atuais estão para além do comportamental, subliminar ou da captura das fantasias compulsivas ou impulsivas. Atualmente busca-se um nível mais profundo: o repertório da simbologia arquetípica da espécie humana. A fase “Este é o produto, agora compre-o!” foi deixada no passado para, em seu lugar, consolidar-se a prospecção dos simbolismos mais profundos da alma humana que procura apresentar o consumo como uma experiência espiritual de autoconhecimento.

A Publicidade parece que assimilou todas as críticas feitas a ela ao longo da história (consumismo, superficialidade, frivolidade, materialismo etc.) e procura demonstrar que mudou, se espiritualizou e não vê mais o consumo como mero ato de aquisição, mas de enriquecimento espiritual.

É claro que esse conceito de “Ad-Gnose” (advertising + "gnosis", iluminação espiritual) é crítico e irônico: buscar a experiência espiritual (a transcendência) numa troca econômica (imanência) que pressupõe todo um sistema econômico e político que se impõe como um princípio de realidade é, na verdade, confinar as aspirações contidas nos arquétipos, transformando-as em dócil e resignada motivação para o consumo.


Leia abaixo o resumo expandido do conteúdo a ser discutido na COMUNICON 2012:

sábado, setembro 24, 2011

Em "1,99 - Um Supermercado Que Vende Palavras" Masagão Traduz a Abstração do Fetichismo das Marcas

"Estranho", "Diferente", "Entediante", "Falso". Pelas críticas não se trata de um filme comum. "1,99 - Um Supermercado Que Vende Palavras" de Marcelo Masagão consegue transformar em narrativa visual os abstratos mecanismos do fetichismo das marcas e do consumo. Dessa forma, Masagão evita cair no lugar-comum das críticas à sociedade de consumo. 

Fazer uma crítica à sociedade de consumo já se tornou um lugar-comum, principalmente porque ela acaba vítima de duas armadilhas: primeiro a da análise moralista com a visão de que no consumo “o ter substitui o ser” ao induzir as pessoas ao “consumismo” de “bens supérfluos”. E, segundo, a de reduzir o consumo à sua superficialidade, isto é, ao mero ato de aquisição de bens materiais. Ambas as críticas acabam convergindo para a solução reformista: se o consumo é uma questão de excesso e de superfluidade, então devemos professar o “consumo consciente”.

No filme “1,99 – Um supermercado que Vende Palavras” (2003) o diretor Marcelo Masagão consegue  driblar essas armadilhas de análise ao propor uma visão mais radical sobre a sociedade de consumo: o seu problema não é que as pessoas sejam definidas pelo que elas têm, mas que suas identidades sejam construídas a partir do que desejam, idealizam e sonham traduzido por marcas e mercadorias. Pouco importa se de fato as pessoas comprem. O consumo já está muito além disso, está no campo psíquico do desejo, da intenção, da fantasia, em outras palavras, do fetiche.

O filme “1,99” é composto de uma série de “sketches” que se passam em um supermercado imaginário, todo assepticamente branco, que vende ao invés de produtos caixas vazias com dizeres com slogans bem conhecidos (como “Just do it”) até frases de auto-ajuda. Vemos consumidores arrastando seus carrinhos como robôs apáticos e melancólicos atraídos pelos slogans dos produtos genéricos nas prateleiras: “seja você mesmo”, “você é único”, “você conhece, você confia” etc.

Marcelo Masagão cria uma série de pequenas estórias cínicas e irônicas tal como a cena do caixa eletrônico que sugere uma relação sexual com o usuário que insere o cartão na máquina até culminar com o “orgasmo”, a saída do dinheiro; a máquina da “visão” 360° onde o consumidor vê sua vida em perspectiva e acompanha as marcas de produtos que estiveram associadas a cada momento desde a infância até a vida adulta;  a excêntrica cena da vaca com os dizeres “justo do it” da qual jorram das tetas leite já achocolatado sugerindo o viés científico e tecnológico do consumo onde a natureza já foi processada industrialmente.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

O Dia em que o Sorriso Parou São Paulo: "Minimalismo" e Ad-Gnose na Ação de Marketing da Brastemp

Criativa e tecnicamente perfeita, a ação de marketing da Brastemp apresenta novos aspectos da tendência da Ad-Gnose na linguagem publicitária. Ao querer transformar o consumo em uma oportunidade de experiências "espirituais" e de "auto-conhecimento", a Publicidade (como de resto toda a indústria do entretenimento) deve expressar o arquétipo e, simultaneamente, contê-lo e aprisioná-lo por meio de mecanismos ideológicos e retóricos.

sexta-feira, setembro 17, 2010

"Desconfie de Todos": A Sombra de um Arquétipo

O vídeo publicitário do chocolate Bis explora a sombra arquetípica do personagem picaresco: a paranóia. A virtude desse vídeo é apresentar a "paranoia institucionalizada" dos ambientes corporativos atuais. Mas também apresenta a dinâmica da Ad-Gnose: fixar o arquétipo para produzir identificação e, em seguida, confiná-lo numa representação regressiva da paranoia.

Em postagens anterioras (veja links abaixo) discutíamos o conceito de Ad-Gnose como uma nova fase em que entra a indústria de entretenimento em geral e a publicidade em particular. Como apontam todas as tendências (agenda tecnológica, temas das narrativas fílmicas desse início de século etc.), as estratégias publicitárias atuais estão para além do comportamental, subliminar ou da captura das fantasias compulsivas ou impulsivas. Busca-se um nível mais profundo: o repertório da simbologia arquetípica da espécie humana. A fase “Este é o produto, agora compre-o!” foi deixada no passado para, em seu lugar, consolidar-se a prospecção dos simbolismos mais profundos da alma humana que procura apresentar o consumo como uma experiência espiritual, de autoconhecimento.

A Publicidade parece que assimilou todas as críticas feitas a ela ao longo da história (consumismo, superficialidade, frivolidade, materialismo etc.) e procura demonstrar que mudou, se espiritualizou e não vê mais o consumo como mero ato de aquisição, mas de enriquecimento espiritual.

É claro que o propósito da Ad-Gnose é discutível e irônico: buscar a experiência espiritual (a transcendência) numa troca econômica (imanência) que pressupõe todo um sistema econômico e político que se impõe como um princípio de realidade que confina as aspirações contidas nos arquétipos.

Um exemplo atual dessa dinâmica está no recente filme publicitário do chocolate Bis intitulado “Baia” (da Olgivy & Mather). Em um ambiente corporativo, onde cada funcionário (ou “colaborador” como eufemisticamente se diz no jargão corporativo atual) está na sua baia, o protagonista come o seu bis em silêncio, encolhido, com um olhar perdido de tédio e fastio. Um pequeno prazer individual num ambiente de rigoroso controle e vigilância coletivas.

As divisórias da sua baia vão cada vez mais se deslocando, estreitando o espaço do protagonista, na medida em que os chocolates bis misteriosamente desaparecem dos cantos da sua mesa. Contrariado, ele olha por cima das divisórias e vê seus vizinhos também comendo bis. Resignado, abre a sua gaveta para pegar outro bis de uma nova embalagem. No final, o slogan conclusivo: “desconfie de todos!”

Nesse caso temos a utilização do personagem arquetípico do Pícaro. O personagem picaresco é representado por um palhaço ou qualquer personagem cômico que carrega dentro de si o desejo de mudança da realidade. Tal qual um Dom Quixote, o pícaro luta contra os moinhos de vento da realidade, criando situações tragicômicas, principalmente porque muitas vezes onde ele vê dragões ou monstros mitológicos nada mais são do que velhos moinhos. Sua sombra é a paranoia.

O filme publicitário do chocolate Bis explora, portanto, o simbolismo arquetípico da Sombra do personagem picaresco: a paranoia. E os moinhos de ventos são os modernos ambientes corporativos das administrações flexíveis, cujas estruturas de cargos e funções mudam repentinamente de acordo com as mudanças dos ventos da economia globalizada.

Gestão do Medo

Como alguém já observou, a administração corporativa do capitalismo globalizado pode ser definida como a “gestão do medo”.

Richard Sennett já observou que no novo capitalismo a cadeia e os elos da produção estão cada vez mais flexíveis, voltados para metas de curto prazo. Em termos sociais e de relações humanas isso altera a função do trabalho em conjunto. Sennet faz uma analogia da nova organização com o toca MP3: enquanto um aparelho de MP3 pode ser programado para tocar apenas algumas faixas de seu repertório, a organização flexível pode desempenhar a qualquer momento algumas das suas possíveis funções. A consequência é a exigência por parte da organização por uma predisposição mental capaz de adaptar-se a contínuas mudanças, sempre partindo do zero.

Como demonstram as sucessivas novas ondas em gestão e administração, os aspectos objetivos de avaliação (técnico-profissionais) são colocados em segundo plano. O mais importante é a “inteligência emocional”, potencialidade e capacidade de adaptação. Para Sennett esses critérios subjetivos e sujeitos a constantes mudanças e valorações tornam a organização ambígua e misteriosa para o indivíduo:
“Isso dá a entender que as relações humanas abertas são mais importantes nas organizações flexíveis (...) nas estruturas fluidas, a sensibilidade substitui o dever. (...) a organização flexível deixa claro por que a conscientização recíproca vem a ser impregnada de ansiedade e, com demasiada frequência, paranoia institucionalizada” (SENNETT, Richard. A Cultura do Novo Capitalismo. São Paulo: Record, 2006, p. 52)

Sem os critérios objetivos da antiga meritocracia, a necessidade sempre renovada de adaptação e de entender a pragmática das relações interpessoais cria uma progressiva atmosfera de ansiedade e medo. A própria arquitetura dos ambientes corporativos torna-se móvel, flexível (baias, divisórias etc), para adaptar-se aos repentinos desaparecimentos e criação de novos cargos e funções. A ansiedade e medo gerado por essa atmosfera móvel, fluída e,ao mesmo tempo, viscosa, vai produzir a forma mais acabada de reação do indivíduo: a paranoia.

O momento de verdade da paranoia: o arquétipo

A paranoia tem o seu momento de verdade. Como falha da razão, resulta da percepção do absoluto non sense da realidade, ansiando pela mudança. O arquétipo do Pícaro ou do personagem tragicômico simboliza essa gnóstica percepção de que, no final, a realidade não tem sentido: a lógica do sistema se volta contra ele próprio e os efeitos coleterais explodem no protagonista aturdido, pego em situações cômicas e irônicas.

Mas esse momento arquetípico da paranoia pode se transformar em algo regressivo, aprisionando esse momento de verdade na lógica absurda do sistema que o produziu. A paranóia pode se transformar na “tirania da unificação ou a maldição do Um”
(QUINTAES, Marcus.” Hilman Revendo Hilman: Polêmica e Paranoia” disponível em http://www.jungianstudies.org/publications/papers/quintaesm3.pdf).

A realidade (posta anteriormente em suspeita pela paranoia) passa, então, a se unificar e é introjetada pelo indivíduo: como resultado todo o sistema passa a ser visto como um gigantesco complô contra o protagonista. Desconfia de que cada pessoa próxima, cada situação ou cada evento seja parte de uma gigantesca engrenagem que se movimenta para destruí-lo.

A Sombra no sentido Junguiano, representada aqui pela paranoia, é um importante elemento para a individuação (diferente da estrita concepção narcísica de paranóia – a idéia de que o sujeito tem de que o mundo está focado em uma perseguição contra si próprio) ao fazer o sujeito questionar o princípio de realidade. Ao contrário, a regressão da paranóia na introjeção destrói a aspiração arquetípica por mudança, produzindo confomismo, resignação e, mais tarde, ressentimento, ódio e vingança. Se na paranóia arquetípica a racionalidade do real é questionada, na introjeção paranoica temos, ao contrário, o delírio da racionalidade com a imagem de uma maquinação precisa que quer destruir o sujeito.

O filme publicitário do chocolate Bis é emblemático por três razões: primeiro, por representar tão bem os ambientes corporativos atuais fluidos, móveis dispostos em baias com pessoas entediadas. Segundo, ao representar a “paranoia institucionalizada” desses novos ambientes corporativos; e, terceiro, por apresentar o dinamismo da Ad-Gnose: o confinamento do arquétipo. O filme atrai a identificação do espectador ao apresentar esse momento de verdade, mas, ao mesmo tempo, regride o arquétipo ao reduzir a paranoia à “tirania da unificação”.

Um contraponto dessa utilização regressiva da paranoia pode ser visto em “Brazil, o filme” (Brazil, The Movie, 1985) de Terry Gilliam. Nele, vemos uma sequência que lembra muito o filme publicitário do chocolate Bis (veja essa sequência abaixo). Diferente do vídeo publicitário, Gilliam apresenta a paranoia em traços épicos e gnósticos. O protagonista Picaresco, tal qual como Dom Quixote, enfrenta monstros imaginários, fruto da sua paranoia. Mas, aos poucos, vai descobrindo a absoluta ausência de sentido num mundo dominado pela burocracia total. A paranoia vira instrumento de mudança e libertação.

Ao contrário, na Ad-Gnose do vídeo do Bis, o momento de verdade do arquétipo é fixado para produzir identificação e familiaridade (“é igual na empresa onde trabalho!”) para, em seguida, confiná-lo no slogan regressivo que introjeta a realidade que queria questionar: “Desconfie de Todos!”



Brazil, O Filme (1985)



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domingo, agosto 08, 2010

Cães e Arquétipos: a Ad-Gnose em Ação

Por serem registros mnemônicos da espiritualidade e da Luz da espécie, os arquétipos naturalmente aspiram à transcendência. Mas a Ad-Gnose (Advertising+Gnose), como toda a indústria do entretenimento, as captura e as confina dentro da instrumentalidade comercial. Um exemplo prosaico da ação da Ad-Gnose é o novo vídeo publicitário de uma marca de ração para cães.

Em posts anteriores abordamos o conceito de Ad-Gnose para indicar a nova fase que a Publicidade está entrando onde, paradoxalmente, o produto tende a desaparecer dos anúncios, transformando-o muito menos em algo para ser adquirido do que ser experimentado como evento, jornada, descoberta ou renovação pessoal.

Vimos que as técnicas de convencimento e persuasão em Publicidade passaram por diversas fases (táticas psicológicas, comportamentais, motivacionais, subliminares, psicanalíticas etc.), mas, em todas elas, estava implícito um imperativo: “Aqui está o produto. Agora compre-o!” Com a Ad-Gnose, toda essa verdadeira engenharia espiritual tem um salto qualitativo: separação entre o desejo e a aquisição imediata do produto, para transformar o ato do consumo, per si, num evento de autoconhecimento e renovação espiritual ao instrumentalizar todo um repertório de arquétipos do inconsciente coletivo da espécie humana.

Claro que estamos sendo irônicos ao usar nesse conceito a palavra “Gnose”, já que a suposta renovação espiritual proposta pelo consumo é a tradução das experiências do sagrado, do religioso e da transcendência dentro paradigma da Auto-Ajuda.

A engenharia espiritual da Ad-Gnose vai além das várias camadas existenciais do indivíduo (percepção, comportamento, subconsciente, psiquismo e inconsciente) para atingir a última dimensão: o próprio espírito com a instrumentalização dos arquétipos.

Em Jung os arquétipos são símbolos do inconsciente coletivo, símbolos atualizados por diversos meios (misticismo, religião, lendas, mitos até chegar à forma mais mística da publicidade contemporânea) onde são aglutinadas aspirações, desejos e grandes questões metafísicas e existenciais da espécie humana.

Como já apontou Victoria Nelson (veja The Secret Life of Puppets. Cambridge: Havard UP, 2001), arquétipos são como instrumentos mnemônicos da suprema arte da memória. Em sociedades antigas, pré-literárias, toda uma série de técnicas orais (lendas, fábulas, ritmo, rimas, repetição etc.) serviam como um repositório do conhecimento humano. Os arquétipos pertencem à sagrada arte da mnemotécnica, guardando na biblioteca do inconsciente coletivo as questões mais profundas da espécie. Num sentido gnóstico, símbolos das reminiscências sobre nossas origens e nosso exílio nesse cosmos.

O funcionamento da Ad-Gnose

Mas na prática qual o mecanismo de funcionamento da Ad-Gnose? Vamos nesse post fazer um rascunho de um método de análise do discurso publicitário dentro da Ad-Gnose. Se por um ponto de vista gnóstico a indústria do entretenimento necessita extrair dos indivíduos sua “espontaneidade” (Partículas de luz ou a energia espiritual vital, reminiscência das nossas verdadeiras origens) para por em funcionamento as estruturas-clichês ocas e sem vida, esse rascunho de método que traçaremos aqui tem como objetivo descrever o momento em que essas estruturas-clichês capturam e confinam esses elementos espirituais, representados nos arquétipos.

Podemos considerar os diversos níveis semióticos das técnicas de convencimento e persuasão do discurso publicitário como formas-pensamento vazias, sem espírito ou energia própria. No nível perceptivo ou comportamental imediato elas até podem sensibilizar o indivíduo, motivando nele respostas imediatas, subliminares ou comportamentais. Mas são de curta duração. Não há sensibilização, fixação ou elaboração.

Partindo para um didatismo semiótico podemos subdividir estas técnicas da seguinte maneira:

a) Nível das estruturas-clichê: Recursos gráficos, psicodinâmica das cores, fotogenia, packshot, lettering, roteirização. Ou seja, todo um aspecto da sinalização pura, recursos que atingem os aspectos mais instintivos ou comportamentais.

b) Nível Retórico: a utilização do repertório das figuras de retórica clássicas, aristotélicas (metáforas, hipérboles, oximoros etc.). É o nível da persuasão pura através da estética da argumentação do discurso. Depois da sinalização imediata (chamar a atenção), transforma-se em informação, discurso, argumentação.

Vamos pegar um exemplo bem prosaico, como o novo comercial da ração para cachorros Pedigree (título "Vida" da Agência Lara/TBWA e da produtora Paranoid BR). Nesse simples vídeo publicitário podemos encontrar todos os elementos da Ad-Gnose em funcionamento, principalmente o aspecto arquetípico.

De imediato, vemos os aspectos clássicos da fotogenia ou videogenia publicitária: um cão (golden retriever) correndo em slow motion, cores em tons pastéis, trilha acústica em tom folk, os longos pelos do animal em movimento ao vento. São aspectos clichês (o tom pastel associado ao primaveril, matinal, a raça do cão retriever etc.). Sobreposto a esse nível, temos o discurso retórico. A comparação entre a motivação de correr para o humano e para o cachorro segue o modelo da figura de retórica chamada de Sístrofe, técnica de suspensão do sentido onde uma série de características é enumerada sem sabermos com precisão sobre do que se trata o discurso.

Embora sejam recursos engenhosos, esteticamente bonitos, envolventes e emocionantes, são, por curto prazo, vazios. Seu efeito se esgota logo depois de encerrado o filme publicitário porque ainda falta um elemento do espírito que ainda não consideramos: o arquétipo.

Vejamos o que diz o áudio desse vídeo publicitário:
“Tem gente que corre por esporte, para superar os adversários. Ou para não se atrasar. Mas nós temos mais sorte. Somos cachorros. Não precisamos de um motivo para correr. Seu cão tem muita vida pela frente. Só falta dar qualidade para ela.”

Esse discurso instrumentaliza o arquétipo do Inocente: um desejo por pureza, simplicidade. A aspiração pelo lúdico e idílico, quebrar a ordem do princípio do desempenho (eficácia, eficiência e performance) que governa nossas vidas. Injeta nas formas-clichês vazias do discurso publicitário a reminiscência da aspiração pela transcendência das inautênticas normas sociais que aprisionam o espírito.

Mas se esse é o momento de verdade desse filme publicitário, essa reminiscência deve ser confinada nos estritos objetivos comerciais. Duas técnicas são usadas para confinar o arquétipo: primeiro, a resignação: os cães têm “sorte” de correr sem motivos. Implicitamente quer dizer que os humanos não têm tal sorte. Resignamo-nos a correr por desempenho, por metas, sem o prazer lúdico dos cães.

Segundo, a inversão fetichista. Projetamos nos cães a humanidade perdida (qualidade de vida, ludismo, pureza, inocência etc.). O arquétipo é vivenciado por delegação, através da vida do cachorro. Nele projetamos as aspirações por uma vida que, resignadamente, desistimos de buscar. O cão se torna progressivamente mais humano do que o seu próprio dono.

O filme Marley e Eu (Marley & Me, 2008), é o exemplo flagrante dessa resignação e inversão fetichista. O filme termina com a lição de que o cão é o melhor amigo do homem por, paradoxalmente, ser mais humano do que seus donos (“um cão não se importa se você é rico ou pobre, um cão não vê utilidades em casarões, roupas de grife... um graveto serve para ele”, conclui o protagonista no final do filme). Resignação pela humanidade perdida e projeção da aspiração representada no arquétipo do Inocente em um animal: esses são os dois momentos em que a “espontaneidade”, o arquétipo ou a energia espiritual são capturados e confinados na instrumentalidade publicitária.

Por serem registros mnemônicos da espiritualidade e da Luz da espécie, o arquétipo naturalmente aspira à transcendência. Mas a Ad-Gnose, como toda a indústria do entretenimento, as captura e as confina dentro da razão instrumental que, para nosso azar (o cachorro tem mais sorte!), não podemos escapar: continuamos a correr para superar os adversários e para não chegar atrasados.

Vídeo "Vida"



Ficha Técnica:
  • Título: "Vida"
  • Agência: Lew, Lara\TBWA Publicidade Ltda.
  • Cliente: Másterfoods Brasil Alimentos Ltda.
  • Produto: Pedigree
  • Criação: Pedro Rosa e Roberto Kilciauskas
  • Direção de Criação: Jaques Lewkowicz, André Laurentino, Manir Fadel e Luciano Lincoln
  • Produção: Paranoid Br
  • Direção do Filme: Luis Carone
  • Locutor: Hilton Raw
  • Ano: 2010
  • País: Brasil

sábado, junho 12, 2010

A TV Globo confirma a existência da Ad-Gnose

A exibição de chamadas para a série da emissora intitulada "Sagrado" com críticas ao consumismo no meio do intervalo publicitário proporciona momentos impagáveis de absoluto non-sense. Porém, passado o prazer da ironia, a aparente ausência de sentido reflete transformações profundas que estão ocorrendo nos subterrâneos da sociedade de consumo e na Publicidade

Estava zapeando pelos canais de TV quando, para minha surpresa, me detive diante da imagem de um líder budista brasileiro tecendo alguns comentários sobre os males do consumismo: desejar além do que necessitamos, religiões contaminadas por ondas de consumo, sede de consumo desenfreado, sociedade consumista que valoriza o acúmulo de bens materiais e assim por diante. Pregava-se o “consumo consciente”, em plena tarde da programação da TV Globo, no intervalo publicitário do programa “Video Show”, em meio a muitos anúncios de produtos cuja técnica de persuasão é a da compulsividade e viciosidade . Ao final do vídeo, a assinatura com os logotipos da Fundação Roberto Marinho, TV Globo e do canal Futura.

Quase caí para trás, num misto de surpresa e risada, diante do absoluto non-sense do que acabava de testemunhar. Quase perdi o fôlego, recuperei-me e pensei: Como pode a emissora de TV, cuja inserção publicitária é a mais cara da mídia nacional, repentinamente cair numa auto-consciência ética e fazer a mea-culpa sobre os males espirituais da sociedade de consumo?

Mais tarde descobri que aquele final de vídeo que tinha assistido fazia parte de chamadas para uma série que a TV Globo e o Canal Futura lançarão chamada “Sagrado” (clique aqui para ler a notícia no portal da emissora). A série discutirá diversos temas como violência urbana, sexualidade urbana, liberdade de expressão e ... consumo consciente!


Depois, fui procurar no You Tube mais vídeos de chamadas para essa nova série e me deparei com outro momento absolutamente non-sense e impagável: a atriz Juliana Paes (notabilizada, entre outras coisas, pela aparição em comerciais de cervejas que fazem associações metonímicas entre mulheres gostosonas e cervejas geladas) dizendo que “o homem é o único animal que bebe sem ter sede, come sem ter fome...” para introduzir o tema sobre o consumismo!

Como entender esta ironia? Para além de qualquer preocupação mercadológica da TV Globo em agregar valores como responsabilidade social e preocupação comunitária à sua imagem, há algo mais profundo. Esse aparente non-sense ou hipocrisia da emissora é o reflexo de um movimento mais profundo das transformações da publicidade e da própria sociedade de consumo: a ascensão da Ad-Gnose como nova forma mais “espiritualizada” de lidar com o consumo.

Como vimos em postagens anteriores (veja links abaixo), a Publicidade contemporânea está entrando numa nova fase com técnicas persuasivas e motivacionais menos hard (comportamental, subliminar etc.) e muito mais “espiritualizadas” (exploração de simbologias, iconografias e temas arquetípicos, elementos do inconsciente coletivo) . Ao lado da Tecnognose e das tecnologias do espírito (auto-ajuda, auto-conhecimento e estratégias motivacionais), a Ad-Gnose (Advertising + Gnosis) propõe que o consumo seja menos o de produtos tangíveis e muito mais a oportunidade de experiências “emocionais”, “espirituais” e de “auto-conhecimento”.

Nos vídeos publicitários a presença física do produto tende a desaparecer ou ser deslocada para segundo plano, colocando em destaque narrativas com temas míticos, fantasias, analogias etc. O consumo seria muito menos um ato de acúmulo e ostentação e mais uma oportunidade de buscar um atalho para a iluminação espiritual: comprar-consumir-espiritualizar-se. A gnose sem disciplina, conhecimento, confronto com o status quo ou questionamentos. Um autêntico atalho. Spiritual Delivery!

Vimos que essa transformação do paradigma do consumo está relacionada com uma necessidade decorrente das próprias transformações da infra-estrutura econômica: os produtos tornam-se cada vez mais parecidos numa economia cartelizada com empresas concentradas em grupos cada vez menos numerosos. Arquétipos são explorados para, ao mesmo tempo, simular diferenciação e concorrência entre produtos por meio da imagem e injetar energia em estruturas-clichê vazias por meio da exploração de autênticos conteúdos espirituais dos desejos e aspirações arquetípicos da humanidade.

Nesse contexto, passa a fazer sentido a repentina consciência ética da TV Globo: as tradicionais críticas contra a sociedade de consumo foram definitivamente absorvidas pelo mainstream porque o consumo deixou de ter, há muito tempo, um caráter materialista. Lamas, budistas e umbandistas são colocados na série “Sagrado” criticando os valores inautênticos da sociedade consumista porque essa crítica já foi cooptada há muito pelo capitalismo. Isso porque o consumo deixou de ser materialista e se deslocou para esferas mais espirituais.

Sob a fachada da consciência crítica e ética, o discurso do “consumo consciente” é o último hit que sustenta as transformações radicais que estão ocorrendo nos subterrâneos da sociedade de consumo e na Publicidade. Mais do que isso, talvez estajamos diante de uma estratégia pedagógica generalizada para educar os consumidores aos novos tempos menos "materialistas" da Publicidade. O "espiritual" na Ad-Gnose é muito menos transcendência e mais imanência. Sob a aparência do aprendizado espiritual esconde uma mais sofisticada e invasiva estratégia, dessa vez indo mais além do que o comportamento e o psiquismo: a alma.

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quinta-feira, junho 03, 2010

Ad-Gnose e Tecnognose: Atalhos para Satori

Ad-Gnose (Advertising + Gnosis) e Tecnognose: duas promessas de espiritualização no horizonte cultural. Espiritualização rápida, indolor, sem contradições ou confrontos. Depois do "aqui está o produto. Compre-o!", agora a Publicidade diz: "aqui está a oportunidade de renovação espiritual!". Mais uma vez a energia espiritual deve ser capturada para dar movimento às formas vazias e inertes da indústria do entretenimento.

Certa vez Theodore Roszak no seu trabalho “From Satori to Silicon Valley” ironicamente sintetizou a motivação mística por trás das novas tecnologias computacionais: “um atalho para Satori” (Satori – termo japonês budista para “iluminação”, atingido com esforço doutrinário ou disciplinar).

Para além do discurso utilitarista ou racional das novas tecnologias (eficiência, redução de custos e tempo, eficácia etc.), a motivação mística ou gnóstica aparece como um subtexto: como a possibilidade de uma experiência de superação dos limites corpóreos, habitar o tempo, transcender ao ciberespaço e abandonar a imobilidade do espaço e da carne. As novas tecnologias possibilitariam a experiência da gnose, porém, sem ascese, disciplina ou reforma íntima. A tecnologia é o atalho puro, o mais rápido para ansiedade atávica da espécie em escapar desse cosmos físico. Em postagens anterioras (ver abaixo as postagens relacionadas) discutimos que esse gnosticismo está imbuído de princípios cabalísticos no sentido de desprezar o mundo material per si, sem redimi-lo, encarando a carne e a própria materialidade como um golem, caos, disformidade, algo queadeve ser simplesmente descartado.

Mas outra espécie de tecnologia surge no horizonte da cultura: as tecnologias (e a sua aplicação prática, a engenharia) do espírito. Sua origem está na área de auto-ajuda e autoconhecimento, formas secularizadas de uma teologia positiva, isto é, formas de auto-divinização: a partir de técnicas análogas às tecnologias computacionais (interação, simulação, rede, recursividade etc.), o ser humano se auto-conheceria (na verdade se auto-reprogramaria) para libertar-se das limitações corpóreas e existenciais, tornando-se motivado, positivo e vencedor. Adaptar-se ao mundo corporativo e dos negócios é mais do que ganhar dinheiro. É uma jornada espiritual de autoconhecimento.

Temos aqui outro “atalho para Satori”: a partir de livros esquemáticos e muitos cursos à base de apostilas em Power Point (a simplificação da simplificação) alcançamos a gnose de forma rápida e sem perda de tempo. De novo o princípio cabalístico: nada temos a aprender com a memória da carne (a dor, traumas, sofrimentos etc.). Devem ser descartadas (ou melhor, deletadas) como se apertasse um botão em um teclado de computador.

Associa-se a essa área a última novidade na engenharia espiritual: a Ad-Gnose. Ao explorar o vasto repertório arquetípico do inconsciente coletivo da espécie, a Publicidade vai oferecer o atalho da concretizção imediata dos anseios e desejos do inconsciente coletivo, por meio de produtos e da materialidade das imagens. O que era simbólico agora é material: mais do que comprar o produto, o fato de desejá-lo seria já uma experiência espiritual.


As Origens da Ad-Gnose


Há muito tempo a Publicidade deixou de ser orientada pelo princípio comportamental do “aqui está o produto. Agora compre-o!”. Desde o início a Publicidade esteve envolvida com um aspecto mágico e fetichista. Karl Marx, na obra máxima “O Capital”, já apresentava o capitalismo como uma fantasmagoria religiosa com a noção de fetichismo da mercadoria (ao invés de Deus, o homem passa a idolatrar e ser dominado pelo dinheiro, capital e mercadoria, entidades criadas pelo próprio homem). Toda a tradição da chamada “Teoria Crítica da Sociedade” vai identificar esse fenômeno na Indústria Cultural e na “Estética da Mercadoria” na publicidade (velha e nova geração da Escola de Frankfurt – Adorno, Horkheimer, Prokop e Haug). Aqui, ainda temos essa dimensão “mágica” ou “mística” ainda confinada na materialidade do produto. É como se o produto tivesse vida própria ao ser incorporado nele qualidades humanas ou mágicas de transformação. Se o homem quer essas qualidades de volta, deve adquirir o produto. Se o homem não consumir, ele estaria vazio e sem propósito.

Ao longo do século XX a Publicidade empregou diversas táticas da engenharia espiritual: técnicas comportamentais (behaviorismo e táticas subliminares), psicológicas (motivação, gratificação, cognição, necessidades psicológicas etc.) e psicanalíticas (compulsão e dependência oral, narcisismo, voyeurismo, erotismo etc.). Mas ainda temos o psiquismo ou subconsciente atrelados à existência do produto.

Numa economia cartelizada e caracterizada pela alta concentração das empresas em poucos grupos transnacionais, os produtos tornam-se cada vez mais idênticos, em tecnologia, imagem, função e utilização. As estratégias de diferenciação tornam-se cada vez mais superficiais, levando o produto às raias do supérfluo e da frivolidade. Por exemplo, pastas de dentes tornam-se idênticas na sua composição e função. Como diferenciá-las para “aquecer” o mercado e simular uma competição? Através da marca-fantasia e características hiperbólicas (“flúor garde”, “pró-menta”, “clean mint”, “mentol”,”Colgate total 12”, e assim por diante). Mas as figuras de retórica, embora numerosas, são finitas e se esgotam.

A Publicidade deve dar um novo salto qualitativo: paradoxalmente fazer o produto desaparecer no anúncio, transformando-o muito menos em algo a ser adquirido do que a ser experimentado como evento, jornada, descoberta ou renovação pessoal.


Assim como no passado onde o início da publicidade moderna originou-se no esforço em desconectar o motivo da compra do produto da sua utilidade (obliterar o valor de uso, fazendo o consumidor comprar o produto pela sua inutilidade), agora a Publicidade deve dar um novo salto qualitativo: paradoxalmente fazer o produto desaparecer no anúncio, transformando-o muito menos em algo a ser adquirido do que a ser experimentado como evento, jornada, descoberta ou renovação pessoal.

O primeiro movimento para esse salto foi o surgimento da técnica de segmentação VALS (Values, Advertising e Life Style) idealizada pelo futurólogo norte-americano Arnold Mitchell nos anos 70 e aprimorada nos anos 90. Além da tipologia psicológica, sua grande inovação foi a expansão do conceito de consumo: consumir não é apenas comprar mas, sobretudo, desejar. Desejar valores e estilos de vida inalcançáveis pela maioria da população, porém agregando valor às marcas. Explicando melhor, o desejo frustrado da maioria faz apenas agregar valor a marcas e estilos de vida consumidos efetivamente por uma minoria.

Marcas produzem eventos (maratonas, concursos, passeios de bicicletas etc.) com milhares de participantes que apenas desejam, mas não têm poder aquisitivo para consumir os produtos. Mas vivenciam seus desejos, agregando valor a produtos restritos a poucos. A separação entre o desejo e a aquisição imediata do produto foi o primeiro passo dessa engenharia do espírito.


Ad-Gnose: mais um atalho para a Gnose

Mas ainda a técnica VALS mantém um laço, ainda que tênue, entre o desejo e a aquisição produto. A frustração pelo não-consumo da maioria é o que agrega valor às marcas das minorias. Portanto, apesar dos valores e estilos de vida, o produto ainda continua lá, num horizonte potencial de consumo.


Na Ad-Gnose temos a imaterialidade plena do produto. Para além dos valores e estilos de vida, algo mais profundo, no espírito, deve ser mobilizado: os arquétipos . Como símbolos do inconsciente coletivo aglutinadores de anseios, dúvidas e esperanças mais profundas da espécie humana, do ponto de vista gnóstico seriam a manifestação visível das partículas de Luz presente em cada um. Essa energia espiritual ou partícula de Luz em cada um de nós manifesta-se no cotidiano por meio da espontaneidade, inocência, boa-fé, bondade, compaixão, alegria, entrega e integridade de propósitos. Os arquétipos traduziriam esse élan em temas, tipologias, narrativas ou símbolos que, tal como a linguagem dos sonhos, canalizariam esse magma espiritual (Freud chamaria de Id), “materializando-o”. A compreensão e vivência do arquétipo potencialmente propiciaria a gnose e a possibilidade de transcendência e, como conseqüência, o confronto com esse cosmos material.

Mas a Ad-Gnose não é transcendência, mas imanência, não compreende ou vivencia o arquétipo, mas instrumentaliza-o. Toda a indústria do entretenimento necessita dessa energia pra dar vida às formas vazias e inertes que estruturam seus produtos.

Um exemplo é o filme publicitário “Gêmeos” da operadora “Oi”. Aplicando a caracteriologia arquetítipica de Carol Pearson, o filme aborda o arquétipo “O Nomal” (The Regular Guy) com o personagem do “Ligador” (veja foto acima). Pela descrição dada por essa pesquisadora, o Normal é aquele que quer estar em conexão com os outros, ser amado, querido ou, na tradução publicitária, ser popular. Como o próprio Freud já observou sobre a psicologia de massas e o mal estar da civilização, mais que a morte o que o homem mais teme é não ser amado, ficar solitário. Esse temor criaria uma armadilha que será a base da psicologia de massas: o medo da solidão conduz ao espírito gregário, querer fazer parte da maioria, anular a individualidade e o pensamento crítico.

O que seria a Sombra do arquétipo, o filme publicitário traduz como aspecto positivo. Confina o momento de verdade do arquétipo (amor e interesse pelo outro, compaixão e solidariedade) na bajulação e conformismo. A energia do arquétipo é instrumentalizada para o objetivo mais óbvio da operadora: façam bastantes ligações para termos mais lucros.

O subtexto na Ad-Gnose é esse: mais do que consumir um produto ou serviço, o consumo é a possibilidade de renovação ou enriquecimento espiritual. É um evento, jornada, experiência. O produto “desaparece” ou é deslocado para segundo plano para prometer ao consumidor um atalho para o enriquecimento espiritual: a gnose.

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domingo, maio 30, 2010

Ad-Gnose: A Engenharia do Espírito na Publicidade

Depois da Publicidade atingir o comportamento e o subconsciente com as técnicas behavioristas e subliminares, e o inconsciente com as abordagens psicanalíticas, temos agora o ápice com uma verdadeira engenharia espiritual: a “Ad-Gnose” (Advertising + Gnosis). Para além do comportamento e do insconsciente, o próximo alvo é o próprio espírito com as abordagens arquetípicas cada vez mais sofisticadas na Publicidade.

A idéia dessa postagem originou-se numa questão levantada por um aluno na aula de Estrutura de Roteiro no curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Anhembi Morumbi. Estávamos discutindo a aplicação de arquétipos nos roteiros de diversos filmes publicitários que analisávamos. Quando, então, paramos no filme da operadora de telefonia celular Oi intitulado “Moda”. O filme comparava a moda de antigamente (que apertava ou restringia com espartilhos, corpetes etc.) com a atual (que preza a liberdade de movimentos e escolhas). No final do filme, o slogan “Liberdade é estar na moda”. A questão levantada se o slogan seria uma contradição: mas estar na moda é seguir a tendência da maioria, portanto, não há liberdade. De imediato veio à minha cabeça a “novilingua”, linguagem criada pelo Grande Irmão da distopia 1984 de George Orwell onde contradições eram esvaziadas numa linguagem banalizadora (“guerra é paz”, e assim por diante). Mas, quando discutimos arquétipos, a questão é mais complexa do que a discussão em planos semânticos no campo da lingüística.

O filme publicitário da Oi trabalhava com o arquétipo do Explorador, focando o aspecto da sua Sombra: o medo de estar preso, confinado, limitado nas possibilidades de aprender e fruir novas experiências, ficando alienado e desconectado dos outros. Ou seja, um desejo atávico da espécie (transcender, ir além etc.) traduzido através do serviço de telefonia celular e, principalmente, confinado em um slogan contraditório, onde o anseio pela liberdade se esgota na imanência da moda.

Mas há um aspecto mais profundo: num sistema econômico estático e cartelizado, onde os produtos são cada vez mais idênticos, a única forma de injetar élan ou energia no sistema é através do aprisionamento dos aspectos mais espontâneos dos indivíduos – Luz e Espírito traduzidos pelos arquétipos instrumentalizados pela Publicidade. É o que chamaremos de “Ad-gnose”.

Da cartelização aos arquétipos

Desde o crash da Bolsa de Nova York de 1929 (onde a economia capitalista mundial quase foi para o ralo) há uma tendência cada vez mais crescente pela monopolização e cartelização de amplas áreas da economia. A guerra de preços de uma economia competitiva (razão profunda do crash de 1929) foi substituída pelo controle dos preços e das demandas (dos desejos por consumo) por meio da cartelização e da Publicidade. Nesse novo cenário, progressivamente os produtos se tornam cada vez mais idênticos: as práticas gerenciais, os processos produtivos e a tecnologia tornam-se cada vez mais parecidas entre as empresas no interior de um cartel ou inseridas em gigantescos grupos transnacionais.

A indiferenciação entre os produtos torna-se uma ameaça de inércia ao ímpeto de consumo do mercado. Sucessivas estratégias passam a ser empregadas pela publicidade no sentido de simular diferenças e competição. Dos testemunhais ligando celebridades do star system hollywoodiano aos produtos, passando pelas associações simbólicas de status e prestígio, até chegar, nos anos 50 e 60, às táticas de inspiração subliminar e até psicanalítica (explorando a compulsividade, impulso, viciosidade e dependência psicológica), cada vez mais a Publicidade vem aprimorando uma espécie de engenharia do espírito. Com a Globalização e a radicalização da concentração das empresas em cada vez menos grupos transnacionais, as táticas de simulação das diferenças dos produtos no mercado necessariamente devem se tornar muito mais sofisticadas, sob risco de todo o imaginário do consumo (sofisticação, concorrência, inovação tecnológica infinita e satisfação) entre num estado inercial. Depois de atingir o comportamento e o subconsciente com as técnicas behavioristas e subliminares, e o inconsciente com as abordagens psicanalíticas, temos agora o ápice com uma verdadeira engenharia espiritual: a “Ad-Gnose” (Advertising + Gnosis). Para além do comportamento e do insconsciente, o próximo alvo é o próprio espírito com as abordagens arquetípicas cada vez mais sofisticadas na Publicidade.


Podemos identificar as origens do desenvolvimento dessa engenharia profunda na criação da técnica VALS (Values, Advertising e Life Style) de segmentação, desenvolvido no final dos anos 70 pelo futurólogo norte-americano Arnold Mitchell e finalmente aprimorado no início dos anos 90. O método baseava-se na segmentação de mercado por perfis psicológicos: os indivíduos seriam motivados menos por fatores comportamentais ou individualistas e muito mais por ideais, valores e estilos de vida que poderiam ser classificados em oito tipologias: Inovadores, Sobreviventes, Conservadores, Realizados, Esforçados, Vitoriosos, Experimentadores e Criadores. Isso orientou a publicidade a buscar “valores agregados” aos produtos tais como filosofias, missões, metas etc. e não mais o estilo “duro” do imaginário do status e prestígio.

Mas apenas isso não era suficiente. Era necessário alcançar um plano mais “místico” ou “mágico” mais em consonância com os tempos “New Age” em que vivemos.

Carol Pearson, PhD em Psicologia e professora em Estudos sobre Liderança da Maryland University nos EUA vai encontrar, a partir dos estudos da simbologia arquetípica do psicanalista Karl G. Jung, doze modelos de simbologia inconsciente que,segundo ela, motivariam a espécie humana: Inocente, Explorador, Sábio, Herói, Fora-da-Lei, Mágico, Normal, Amante, Palhaço, Protetor, Criador, Poderoso. A princípio voltado para servir de ferramenta para táticas de engenharia organizacional, chega ao mundo do Marketing e da Publicidade como conceitos orientadores de roteiros de vídeos publicitários e como estratégia de de criação da imagem de marcas.

Nos seus livros "Awakening the Heroes Within: Twelve Archetypes That Help Us Find Ourselves and Transform our World" (Harper SanFranc isco, 1991); "Magic At Work: Camelot, Creative Leadership and Everyday Miracles" (DoubleDay, 1995); "The Hero and the Outlaw: Building Extraordinary Brands Through The Power of Archetypes"(McGraw- Hill, 2001); "Mapping the Organization Psyche: A Jungian Theory of Organizational Dynamics and Change" (CAPT: Center for Applications of Psychological Type, 2003) está claro que a motivação humana é a principal preocupação da organizações, negócios, marketing e publicidade.

Em Jung os arquétipos são símbolos do inconsciente coletivo, símbolos atualizados por diversos meios (misticismo, religião, lendas, mitos até chegar à forma mais mística da publicidade contemporânea) onde são aglutinadas aspirações, desejos e grandes questões metafísicas e existenciais da espécie humana. Vivenciar um arquétipo é se sintonizar nessa rede inconsciente de significantes, nem que seja por breves flashs, como num déjà-vu.

Em termos gnósticos, os arquétipos são as manifestações dessas partículas de Luz presentes em cada um de nós que nos liga às nossas verdadeiras origens espirituais (o processo da gnose), vislumbrando a possibilidade de transcendência desse cosmos material que nos confina.

Na Ad-Gnose essas partículas de Luz ou espírito são traduzidas como “motivações”, fonte de energia para serem aglutinadas e aprisionadas em narrativas e imagens que ponham em movimento o imaginário do consumo que convive com a ameaça da estagnação e da entropia: a descoberta de que, no final, todos os produtos se equivalem e que as diferenciações são meramente sígnicas ou imagéticas.

Por exemplo, se nos filmes publicitários sobre sabão em pó as donas de casa são representadas pela mesma caracteriologia clichê (magras, morenas, cabelos lisos, em torno dos 30 anos e o mesmo olhar terno para o filho que aparece imundo dos pés até a cabeça etc.), o arquétipo será aquilo que captará a “motivação” do consumidor, injetando espontaneidade e energia num design estático e vazio.

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