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quinta-feira, fevereiro 15, 2024

Arte, capitalismo e crime em um microcosmo gnóstico no filme 'Dentro'


Willem Dafoe é um ladrão especializado em roubo de obras de arte milionárias que fica acidentalmente preso em uma cobertura high tech em Manhattan. Trancafiado e incomunicável com o mundo exterior, ironicamente está preso com os milhões de dólares de um colecionador de artes. Arte que se tornou supérflua na sua luta por água e comida numa situação ironicamente cruel. “Dentro” (Inside, 2023, disponível na Amazon Prime Video) é uma cínica e irônica reflexão sobre arte, capitalismo e crime, mas principalmente sobre como a dimensão estética pode ser inspiradora na fuga de uma cobertura que vira um microcosmo da condição humana. Principalmente depois de o ladrão encontrar uma edição do “Casamento do Céu e do Inferno” de William Blake, o filme ganha tons gnósticos.  

sexta-feira, janeiro 26, 2024

Um manifesto ciborgue e a reconfiguração do feminismo em 'Pobres Criaturas'


Yorgos Lanthimos, o diretor líder daquilo que os cinéfilos chamam de “onda estranha grega”, mais uma vez em “Pobres Criaturas” (Poor Things, 2023, com onze indicações ao Oscar) lança mão da estranheza. Com um tema obsessivo na sua obra, desde “Dente Canino” (2009): personagens totalmente incongruentes entre si no qual violência, amor, culpa, erotismo, misticismo e horror se misturam em espaços claustrofóbicos ou famílias que se transformam em prisões. Dessa vez, Lanthimos foca sua lente estranha nas questões de identidade e gênero numa espécie de releitura feminista do Frankenstein de Mary Shelley, adaptando o livro “Poor Things” de Alasdair Gray. Livro que certamente se inspirou no “Manifesto Ciborgue” que reconfigurou o feminismo ao se apropriar da figura hipermasculinizada do Ciborgue na cultura pop - a mulher como ser híbrido, parte biológica e que precisa se recompor com a parte técnica, para encontrar a si mesma.

sábado, janeiro 13, 2024

Canibalismo e horror cósmico em 'A Sociedade da Neve'


A história dos sobreviventes dos Andes (o acidente aéreo de 1972 com dezesseis sobreviventes entre 45 pessoas a bordo) já foi contada e recontada na literatura e cinema – sempre com o toque sensacionalista do canibalismo. Mas em “A Sociedade da Neve” (2023), do diretor espanhol J.A. Bayona, a questão do canibalismo é colocada num cenário mais amplo: o do horror metafísico ou cósmico, com forte traço gnóstico. Os planos grandiosos dos Andes os infinitos campos de neve contrastando com fragilidade dos sobreviventes diante da escala do cenário acentuam a absoluta indiferença da Natureza diante da presença humana. Ali não há Deus, propósitos divinos, sentido ou sequer destino. Apenas a fúria dos elementos. Diante da “morte de Deus” resta o pós-humano: o homem tornar-se uma máquina de sobrevivência tão furiosa quanto a Natureza – e o canibalismo é apenas um elemento nesse quadro mais geral.

quarta-feira, janeiro 03, 2024

Memórias em ruínas no filme 'Retratos Fantasmas'


As ruínas nos fascinam. Desde o início da arqueologia moderna, influenciou a sensibilidade artística criando um imaginário associado a memórias, fantasmas e desaparecimento até chegar, no século XX, ao “princípio das ruínas” como propaganda e estética política nazista: ruínas como inspirações para as gerações futuras. Kleber Mendonça Filho consegue representar esse imaginário em “Retratos Fantasmas” (2023) através de uma jornada pessoal e sociopolítica pelas memórias trazidas pelas ruínas urbanas: da casa vizinha ao edifício em que mora aos cinemas de rua abandonados do Centro do Recife. Como a modernidade cria incessantemente ruínas. E como nos relacionamos com elas através das memórias. Além de as ruínas apontarem para o futuro quando salas de projeção viram templos religiosos.

sábado, novembro 30, 2019

A tecnologia toma o lugar do sobrenatural no gótico norte-americano em "The Room"


O gênero Gótico tem suas origens no Velho Mundo europeu com seus castelos e masmorras de sociedades que desapareceram. Já o gótico norte-americano é um interessante subgênero originado numa sociedade puritana que produziu ficções em torno de culpa, pecado original, abominações humanas decorrentes da miscigenação racial, incesto etc. E ainda mais interessante quando um filme desse subgênero é escrito e dirigido por um olhar europeu. Esse é o filme franco-belga “The Room” (2019): cansado de viver em Nova York, um jovem casal muda-se para um casarão vitoriano no interior de New Hampshire. Lá encontrarão não o sobrenatural, mas o horror produzido por uma misteriosa tecnologia por trás das paredes daquele casarão, capaz de materializar qualquer desejo que for dito. Mas, como em todo conto fantástico há um alerta: “A única coisa mais perigosa do que alguém que não consegue o que quer, é uma pessoa que possa ter tudo o que quiser”. Filme sugerido pelo nosso colaborador Felipe Resende.

domingo, junho 03, 2018

Curta da semana: "The Cut-Ups" - o filme que fez pesoas fugirem desorientadas do cinema


Esse curta metragem é para cinéfilos aventureiros e corajosos. Numa parceria entre o escritor norte-americano “beatnik” William Burroughs e o distribuidor de filmes de terror B Anthony Balch, o curta “The Cut-Ups” (1966) foi exibido por duas semanas em Londres naquele ano, causando uma “desorientação de sentidos” na plateia pega de surpresa. Pessoas corriam da sala de projeção largando seus pertences, com sensações de náusea, nojo e desorientação. Burroughs conhecia a técnica dadaísta do “cut-up” (recorte) de justaposição aleatória de recortes. Então, o escritor resolveu aplicar em outras mídias como fitas de áudio e cinema. Para ele,  a técnica (muito usada depois por compositores do rock como David Bowie) ajudaria a nos libertarmos das formas de controle da linguagem que nos tranca em formas tradicionais de pensamento. Seria a saída para uma questão semiótica: se o que chamamos de real é apenas o signo do real, o que existe lá fora, para além dos signos?

quarta-feira, maio 17, 2017

A obsessão pela felicidade: em defesa da melancolia


Neste momento a sociedade reúne todo um arsenal médico-terapêutico-psicológico-farmacêutico para extirpar o mal que atormenta milhares de almas: a melancolia e a depressão. O professor de literatura inglesa da Wake Forest University Erik Wilson vê na obsessão pela busca da felicidade na atual sociedade de consumo como uma desconsideração medrosa do valor da tristeza: a agitação da alma que se transforma no impulso vital de toda cultura próspera. Se o Prozac existisse desde séculos atrás, certamente não veríamos hoje muitas obras primas nos campos da literatura, pintura e ciências. Esse é o tema do recente livro de Wilson “Against Happiness: in praise of melancholy”

terça-feira, abril 19, 2016

Em Observação: "Zoom" (2015) - a metalinguagem até as últimas consequências



Um filme inspirado nas imagens recursivas e metalinguísticas do artista plástico M.C.Escher. São três histórias interligadas onde o desenrolar de uma determina o destino de outra como fossem narrativas dentro de outras narrativas, produzindo uma circularidade infinita. É o filme “Zoom”, uma co-produção Brasil/Canadá dirigida por Pedro Morelli. Recursividade e metalinguagem são temas do filme gnóstico – são formas linguísticas de desvelar a ilusão e mostrar o multifacetamento da realidade ao serem exploradas até as últimas consequências. Mas também são recursos perigosos onde o filme pode se transformar em mero exercício vazio de estilo. É o que o “Cinegnose” vai conferir.

sexta-feira, fevereiro 26, 2016

Curta da Semana: "Em" - o Tempo que nos separa


O curta “Em” (2013), do coletivo de cinema paraense “Quadro A Quadro”, leva às últimas consequências o significado dessa preposição: a intensidade do amor e do prazer se sucedem nos breves instantes da vida de um casal, mas o Tempo irá corroer até tudo extinguir, dividindo-os assim como a faca que corta o pão. Livremente inspirado na poética do paraense Max Martins, o curta consegue, através da linguagem audiovisual, expressar um tema tão abstrato: como o Tempo manifesta-se dentro de nós. Como introjetamos em nós essa falha cósmica - destruição, dissipação, morte, entropia.

domingo, agosto 02, 2015

Amor e paradoxos quânticos no filme "Em Algum Lugar do Passado"


Por que um filme tão odiado pela crítica especializada na sua época como “Em Algum Lugar do Passado” (Somewhere in Time, 1980) em pouco tempo tornou-se um novo clássico e um fenômeno cult? Diferente de outros filmes sobre viagem no tempo com forte ênfase social, “Em Algum Lugar do Passado” é uma tragédia amorosa, melodramática sob a trilha onipresente de Rachmaninoff. Porém, há algo mais pulsando por trás de camadas e camadas de romantismo hollywoodiano: o primeiro filme a aproximar o tema do amor aos paradoxos quânticos do tempo, assim como hoje fazem filmes como “Interestelar” de Nolan ou “Amantes Eternos” de Jarmusch.

sábado, fevereiro 28, 2015

Morsas e ostras mataram John Lennon?

A música mais enigmática dos Beatles aparece no maior fracasso comercial do grupo, o filme “Magical Mystery Tour” de 1967, hoje reavaliado como obra de arte ao nível do humor do grupo Monty Python ou do surrealismo de Buñuel. Inspirado no poema “A Morsa e o Carpinteiro” de Lewis Carroll, a música “I’m The Walrus” composta por John Lennon apresenta uma letra sombria, obscura e misteriosa com referências a genocídios, drogas e jovens que seriam seduzidos por uma “Morsa” que estaria levando-os para a destruição – no poema de Carroll aparecem “jovens ostras” . Será que a música foi alguma espécie de acerto de contas de Lennon com a culpa e o remorso de saber ter feito parte de uma gigantesca estratégia de engenharia social por trás da cultura pop? Em declarações dadas em uma entrevista em 1980, ele indica evidências, falando de “artesãos” que estiveram por trás dos Beatles e a ligação entre CIA e a droga LSD. Alguns meses depois, Lennon seria assassinado.

O grande e misterioso fracasso dos Beatles: o filme Magical Mystery Tour de 1967. “Beatles Mystery Tour desconcerta os espectadores”, estampava em uma manchete na primeira página do jornal Mirror da Inglaterra, dizendo que milhares de espectadores protestaram quando foi exibido na TV pela BBC.

“Bobagem sem sentido”, “lixo flagrante” e “ultrajante” foram as críticas mais leves sobre um filme que não se importava com qualquer sentido narrativo: mostrava um grupo de turistas em um ônibus que iniciava um “misterioso tour” pela Inglaterra em um ônibus panorâmico, onde “coisas estranhas começam a acontecer”, ao capricho de quatro magos performados pelos próprios Beatles que tudo observam, manipulando os acontecimentos.

sexta-feira, outubro 31, 2014

Em "Amantes Eternos" a melancolia dos vampiros denuncia a decadência dos vivos

Conhecido pelos seus protagonistas que vivem sempre à margem da sociedade, arrebatados pelo vazio existencial e, por isso, capazes de um olhar mais crítico e verdadeiro, o diretor Jim Jarmusch (“Estranhos no Paraíso”, “Down By Law”, “Dead Man”, “Flores Partidas”) agora acrescenta os vampiros a sua galeria de anti-heróis. Em “Amantes Eternos” (Only Lovers Left Alive, 2013) Jarmusch questiona como seria viver eternamente em um mundo de seres mortais. Como seres que atravessaram séculos por todas as cenas culturais, científicas e artísticas poderiam viver num mundo que parece ter esquecido de tudo que de mais importante a História ofereceu (como, por exemplo, o trágico destino das ideias do cientista Nikola Tesla), e vê no You Tube a sua única fonte de cultura e entretenimento. Ironicamente,  para os vampiros os mortais não passariam de “zumbis” – seres condenados pela morte a recomeçarem sempre do zero do esquecimento.

Parecia que o cinema já tinha mostrado tudo sobre os vampiros: seres da noite, mortos vivos, encarnação do próprio Mal, seres dotados de perigoso poder de sedução, amores platônicos entre vampiros e mortais, amaldiçoados com a imortalidade, doentes contagiosos etc. Mas faltava um diretor como Jim Jarmusch para trazer esse personagem para a sua galeria de anti-heróis underground, aqueles que vivem à margem da sociedade e que, por isso, são capazes de um olhar crítico para uma sociedade de resignados.

sábado, outubro 11, 2014

"Jogo de Cena" embaralha cartas da ficção e do real

Câmeras de vigilância, celulares através dos quais performamos constantes selfies, telas de computador, de TVs e de cinema, imagens dos indivíduos captas pelas câmeras de vitrines nos shoppings e exibidas para os próprios consumidores etc. Estamos cercados de dispositivos visuais que acabaram criando uma espécie de saber inconsciente audiovisual: criamos nossas próprias auto-mis-en-scènes. Sabemos criar personas através do cinema e fotografia, de tal maneira que ficção e História, ilusão e realismo acabaram se fundindo na modernidade. Esse é o tema latente no documentário “Jogo de Cena”(2007) de Eduardo Coutinho: anônimos contam suas histórias, enquanto atores tentam reencenar essas narrativas anônimas. Quem é ator e quem é anônimo, quem é profissional e quem é amador diante da câmera? Esse é o vertiginoso jogo proposto por Eduardo Coutinho.

Na banalidade do cotidiano estão os rastros da verdade. Esta parece que foi a grande revolução estética trazida pela modernidade, desde que Vitor Hugo escreveu que uma sociedade se conhece através do seu esgoto, ou quando Marcel Proust descobre as memórias involuntárias em cheiros, flagrâncias e sons do dia-a-dia na sua obra-prima Em Busca do Tempo Perdido.

Graças a essa revolução na sensibilidade moderna, desviamos nossa atenção artística das grandes narrativas dos gêneros tradicionais (tragédia, comédia, drama etc.) com seus temas elevados sobre heróis, nobres ou pícaros, para a vida dos esquecidos nas multidões. A fórmula foi invertida: o anônimo tornou-se o objeto artístico e o seu registro através da fotografia e o cinema como as novas obras de arte.

Por isso, o documentário Jogo de Cena de Eduardo Coutinho se inscreve nessa tradição modernista da linha de Dziga Vertov e seu filme O Homem da Câmera de 1929 ou  Berlin – Sinfonia de uma Metrópole (1927) de Walther Huttmann: trazer para a cena artísticas as massas e os anônimos.

sábado, outubro 04, 2014

"O Doador de Memórias" e a terceira onda do Gnosticismo Pop no cinema

Com o filme “O Doador de Memórias” (The Giver, 2014) Hollywood acrescenta mais uma produção a uma série de filmes sobre mundos distópicos dominados por estados policiais totalitários. Essas produções vem retomando símbolos e narrativas gnósticas, mas dessa vez em uma nova fórmula:  um mix de Gnosticismo com “1984” de Orwell e “Admirável Mundo Novo” de Huxley. Essa terceira onda de Gnosticismo pop no cinema, assim como nas ondas anteriores, está relacionada com alterações nos paradigmas tecnológicos. Na atualidade, o projeto da Internet das Coisas e a nanotecnologia, criando possibilidades de geolocalização e controle total da privacidade. A obsessão atual de Hollywood por essas distopias faz surgir teorias conspiratórias como a chamada “hipótese Fox Mulder”, extraída de um episódio da série “Arquivo X”.

O Doador de Memórias, adaptação do livro de 1993 The Giver de Lois Lowry (premiado best seller de ficção científica para o público jovem) é o último filme de uma série de produções recentes que exploram distopias futuristas totalitárias: Snowpiercer (2013), No Limite do Amanhã (Edge of Tomorrow, 2014), Elysium (2013), Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2013), A Viagem (Cloud Atlas, 2012), Oblivion (2013), Capitão América 2: O Soldado Invernal (2014) etc.

Por que o público está sendo inundado com essas narrativas futuristas sobre novas ordens mundiais e estados policiais despóticos? Por que esse súbito interesse de Hollywood em nos fazer torcer por heróis que lutam por escapar de sistemas totalitários enquanto tentam encorajar a todos (inclusive o espectador) a fazer o mesmo?

quarta-feira, julho 02, 2014

"Agnosia" revela formas alternativas da mente no cinema

O filme espanhol “Agnosia” de Eugenio Mira e “A Origem” de Christopher Nolan foram lançados no mesmo ano de 2010. São dois filmes com versões diferentes para o mesmo tema: um thriller de espionagem industrial que envolve a invasão da mente de alguém para extraírem um segredo que envolve interesses corporativos. Um exercício de análise comparativa entre os dois filmes revela diferentes formas de representar a mente humana: se na Europa a Psicanálise e a psicologia da percepção possuem prestígio no meio artístico e intelectual, nos EUA a mente não é pensada como uma máquina desejante, mas informática onde dados são deletados ou inseridos. Enquanto “Agnosia” é um conto gótico inspirado em psicanálise, “A Origem” é o inconsciente traduzido pelas neurociências.

A análise comparada em cinema (o exercício de analisar diferentes visões de filmes e diretores sobre um mesmo tema) sempre dá surpreendentes resultados ao revelar as diferenças ideológicas e culturais de países ou de polos de produção cinematográfica.

Um exemplo evidente é o filme espanhol Agnosia (2010) do diretor Eugenio Mira e escrito por Antonio Trashorras. Assistindo ao filme, é impossível não comprarmos com o filme de Christopher Nolan A Origem (Inception, 2010), produção norte-americana lançada no mesmo ano da produção espanhola. Ambos exploram o tema da espionagem industrial: há um segredo de grande interesse industrial que está na mente de uma pessoa e que deve ser extraído.

sábado, março 29, 2014

A filosofia do ressentimento em "Um Homem com Duas Vidas"

Um olhar tragicômico sobre o ressentimento. Com uma complexa narrativa repleta de flash backs onde memórias e fantasias se misturam (marca registrada do belga Jaco Van Dormael, diretor do filme “Sr Ninguém” de 2009), “Um Homem Com Duas Vidas” (Toto Le Héros, 1991) conta a história de Thomas, um homem que acredita que a sua vida foi roubada e, com a ajuda de um agente secreto imaginário chamado Toto, pretende vingar-se. Embora a constelação de afetos que formam o ressentimento (raiva, inveja, amargura e vingança) seja tratada pelo filme de forma leve e cômica, a complexidade narrativa que funde o passado com o presente levanta uma questão central: o esquecimento. Freud e Nietzsche deram respostas diferentes: para o pai da psicanálise o esquecimento negaria a chance de compreender o passado enquanto para Nietzsche era a única chance de nos libertarmos das garras do ressentimento. Além de levantar esse tema “Um Homem Com Duas Vidas” ainda vai conectar o ressentimento individual com o social ao mostrar como as memórias de um super-herói midiático se confundem com memórias e fantasias da infância.

O diretor belga Jaco Van Dormael  já é conhecido por esse blog pelo filme Sr. Ninguém (Mr. Nobody, 2009) onde o protagonista vê a sua vida como um gigantesco hipertexto com diversos futuros alternativos e luta contra os eventos aleatórios que podem interferir no livre-arbítrio das decisões.


Um Homem com Duas Vidas (Toto Le Héros, 1991) marcou a estreia do diretor em longa metragens. Situada em um futuro próximo, Van Dormael nos conta a história de um homem idoso chamado Thomas que olha para trás na sua vida através de uma espécie de fluxo de consciência construído por um complexo mosaico de flash backs intercalado com fantasias de como os acontecimentos poderiam ter sido diferentes.

quarta-feira, novembro 20, 2013

O espectro da Patafísica no show midiático do mensalão


Para que serviu o show midiático da prisão dos "mensaleiros" cuidadosamente roteirizado pelo STF e a mídia se todos os lados do espectro político interpretam o episódio a seu favor? Talvez a verdadeira função do show tenha sido imaginária, como um verdadeiro “potlatch” político: um espetáculo irônico de destruição e desperdício de recursos públicos, cujo processo de julgamento do mensalão supostamente queria combater através de uma exemplar demonstração moralizante. Tal qual a instituição primitiva do “potlatch”, um show oferecido como dádiva em pleno feriado como demonstração de poder inútil e fetichista. Espetáculo de desperdício de riqueza como forma mítica de sedução e fascínio.  Se isso for verdade, testemunhamos um evento político brasileiro que se inscreve no campo da Patafísica: a ciência das soluções imaginárias, tal como foi proposta pelo dramaturgo Alfred Jarry, o precursor do teatro do absurdo.
“Em um mundo cada vez mais delirante, convém analisá-lo de forma delirante.”
(Jean Baudrillard)
Com pompa e circunstância, as emissoras de TV acompanharam ao vivo os condenados do processo do mensalão se entregarem na Polícia Federal. Avidamente, as teleobjetivas procurando o melhor ângulo na subida da escadaria do avião da Polícia Federal que os levaria a Brasília até serem confinados no presídio da Papuda. Os mais aguardados, José Dirceu e Genoíno, não se fizeram de rogados: cada qual levantou o punho cerrado, em gesto de desafio para caracterizarem diante das câmeras que eram, na verdade, presos políticos.
O impacto simbólico pretendido pelo presidente do STF (ordens de prisão expedidas em pleno feriado da Proclamação da República) atingiu em cheio a opinião pública, tal qual ondas de impacto da explosão de uma bomba: discussões acirradas e polarizadas dominaram todas as redes sociais durante o dia. Toda a ritualística explicada didaticamente pela TV (detalhes das poltronas ocupadas por cada um no avião, as algemas, o trajeto pacientemente traçado com locais e horários de partida e chegada, detalhes da cela da prisão dando destaque à latrina e o banho de água fria etc.) desde a apresentação dos condenados à suas prisões.

sexta-feira, novembro 08, 2013

Rei do Camarote e Huck "Gigante": bombas semióticas no front da guerrilha dos memes


Uma semana depois do contra-ataque involuntário às bombas semióticas do Enem feito por um estudante que simulou ser um candidato atrasado, veio a reação: uma nova bomba semiótica, dessa vez em um novo front, ainda mais letal por atingir dessa vez a percepção e a memória, instâncias pré-linguísticas. O vídeo do “Rei do Camarote” transformou-se em novo meme que explode em uma guerrilha memética cujo ponto de partida foi o filme publicitário “Gigante” protagonizado pelo apresentador Luciano Huck: memes intencionalmente elaborados para tornar o contínuo midiático ainda mais tenso e pesado.

A proximidade do final do ano e a lembrança que também nos aproximamos da Copa do Mundo e eleições presidenciais, está tornando cada vez mais pesada a atmosfera midiática nacional. Toda semana novos petardos de bombas semióticas cada vez mais sofisticadas são disparados no imaginário social, politicamente cada vez mais turvo e tenso. Se na semana anterior acompanhamos um contra-ataque do que chamamos de “bomba pós-moderna” (a simulação de um estudante que se passou por candidato atrasado na prova do Enem e que colocou a nu o mecanismo de montagem das bombas semióticas – clique aqui para ler), nessa semana tivemos a resposta imediata que abre um novo front de batalha ao lado das guerrilhas semiológicas: as guerrilhas meméticas.

Muito se fala de uma guerra memética desde o cenário aberto nas manifestações de junho. Mas, assim como no Marketing, nesse novo campo de guerrilha procuram-se agora criar memes artificiais. É o caso da matéria apoiada por um vídeo sobre o chamado “Rei do Camarote” publicado pela “Vejinha” ou Veja São Paulo.

quarta-feira, agosto 28, 2013

O demônio é um anjo caído em "O Advogado do Diabo"


Apesar de flertar com temas místicos e espirituais não ortodoxos, Hollywood ainda precisa manter as convenções dos gêneros cinematográficos. Um dos exemplos dessa dualidade vivida pelo cinema comercial é o filme “O Advogado do Diabo” (Devil’s Advocate, 1997) onde o diretor Taylor Hackford tenta inserir uma visão mais matizada e ambígua da figura do Diabo em meio aos tradicionais clichês satânicos reforçados por efeitos de computação gráfica. Através da inesquecível performance de Al Pacino, o filme nos apresenta uma sutil visão do Diabo como uma figura prometeica, um anjo caído e condenado pelo Criador por ter apresentado ao homem o fruto do conhecimento.

O ano é 1997. Na segunda metade dessa década Hollywood vive uma espécie de guinada metafísica. Desde “Dead Man” (1995) do diretor Jim Jarmusch, um western místico onde as religiões institucionalizadas são ridicularizadas, roteiristas e produtores começam a flertar com temas e abordagens místicas ou espirituais não ortodoxas, tal como o gnosticismo. Nesse ano estão em produção “Show de Truman” e “Cidade das Sombras” (que serão lançados no ano seguinte) e o filme “Matrix” está sendo gestado pelos irmãos Waschowski. Esses filmes fazem parte de uma tendência cinematográfica da época repletas de temas, arquétipos e simbolismos religiosos, mas com uma abordagem mística e gnóstica.

Também, nesse ano é lançado o filme “O Advogado do Diabo” dirigido por Taylor Hackford, adaptação do livro de Andrew Neiderman. Se no livro há uma ambiguidade fundamental em relação ao personagem principal (não sabemos se ele é um louco ou a própria encarnação do Diabo, ambiguidade resolvida no monólogo final), no filme percebe-se uma ambiguidade de outra natureza: o conflito entre as convenções do gênero terror/suspense imposta pelos produtores em apresentar o Diabo na tradicional visão judaico-cristã e a adaptação ao livro que procura apresentar esse personagem de uma forma mais matizada – uma visão alternativa do Diabo, própria da literatura do Romantismo que o via como uma figura prometeica, um anjo caído e condenado pelo Criador por ter apresentado ao homem o fruto do conhecimento.

sábado, fevereiro 09, 2013

O mito da segunda chance no filme "Perdido Entre Dois Mundos"


Uma comédia leve e despretensiosa. Não fosse o filme francês “Perdido entre Dois Mundos” (Les Deux Mondes, 2007) estar inserido em uma recente recorrência de filmes que desenvolvem o tema da “segunda chance”, passaria despercebido. Mas não é o caso.  A cinematografia recente vem intensificando a exploração do tema em que se narra a possibilidade de o protagonista ter uma segunda chance (seja através do  deslocamento no tempo ou migrando para mundos alternativos) para se redimir de erros do passado ou do presente. Nesses filmes a fuga para outras dimensões não é mera fantasia escapista para atender aos sonhos dos espectadores. Pretendem ser “inspiradores e motivacionais” para convidar os espectadores à necessidade de transformações íntimas, segundo produtores e diretores. Essa tendência cinematográfica realmente seria “inspiradora” ou apenas refletiria um mal estar psíquico numa cultura influenciada por modelos de sucesso e bem estar da literatura de autoajuda e motivacional?

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