segunda-feira, setembro 07, 2015

Mitologia gnóstica no cinema para iniciantes


Apesar de em toda História o Gnosticismo ter cultivado o elitismo espiritual por meio de sociedades secretas e conhecimentos arcanos, desde a literatura do Romantismo até o cinema a mitologia gnóstica vem cada vez mais fazendo parte do atual cenário da cultura pop. O Cinema atual insere em suas narrativas de diversos gêneros quatro principais mitos gnósticos: o do “Demiurgo”, o da “Alma Decaída”, o do “Salvador” e do “Feminino Divino”. Portanto, vamos introduzir aos novos leitores do Cinegnose o tema do Cinema Gnóstico e fazer um pequena síntese das pesquisas desses oito anos aos mais antigos seguidores do blogue.

Para aqueles que estão chegando agora ao Cinegnose e, mesmo para aqueles que já são iniciados no tema e constatam a complexidade conceitual da área, vamos fazer uma introdução didática sobre a presença de elementos da mitologia gnóstica no cinema.

Desde as suas origens no início da Era Cristã até os dias atuais a tradição gnóstica tem rejeitado as convenções culturais como formas decadentes de um mundo ilusório. Por isso, o gnosticismo tem cultivado o elitismo espiritual – conhecimentos arcanos e sociedades secretas.

Tal estratégia histórica é compreensível se considerarmos que o Gnosticismo considera o mundo material – e os seus defensores – como ilusórios e falhos produtos de um Demiurgo, um deus inebriado na sua crença de ser único e poderoso mas que não passa de uma emanação decadente de um plano transcendente e harmônico.

Depois dos diversos renascimentos ao longo da História (como na literatura do Romantismo dos séculos XVIII-XIX), a mitologia gnóstica chega ao cinema no século XX.

E os temas gnósticos no cinema não são recentes. Desde antigos filmes como The Revenge of the Homunculus (Otto Rippert’s, 1916) sobre as trágicas consequências de um experimento alquímico mal sucedido; The Golem (de Paul Wegener’s, 1920) mostrando os trágicos resultados da magia cabalística; Frankenstein (de James Whales, 1931) onde o tema é o fracasso gnóstico em transcender a matéria mortal.

The Revenge of Homunculus, 1916

Os temas gnósticos retornam mais tarde, desta vez através de filmes não-comerciais ou rotulados como cults que endossam valores heterodoxos.

Blow Up (Antonioni, 1966) é uma exploração gnóstica de como a cultura consumida pelas aparências suplanta a realidade.

Confundindo forma e conteúdo através de uma narrativa altamente ambígua e alucinante que incomoda tanto os personagens do filme quanto o público, (Fellini, 1963) explora a cabalística crença de que um ideal humano pode ser alcançado através do artifício, a criação de um Adão cinemático;

Zardoz (John Boorman, 1974) uma verdadeira fábula gnóstica onde, em um futuro pós-apocalipse, o protagonista alcança a iluminação ao descobrir que o deus em que acreditava (Zardoz) era, na verdade, uma criação artificial de uma elite imperfeita e decadente.

The Man Who Fell to Earth (Nicholas Roeg, 1976) apresenta um extraterrestre que vem para a Terra em busca de água para o seu planeta que está morrendo. Incapaz de cumprir sua missão acaba prisioneiro de uma rede de corrupção em uma América corporativa. Diferentes dos antigos filmes, estes filmes gnósticos cults criticam o status quo, sugerindo que a cultura pós-moderna é um desolado mundo de ilusões que produz conformismo.

O que distingue os filmes de temática gnóstica dos últimos vinte e cinco anos é que, diferente do passado cult ou de vanguarda, agora estão presentes no cinema mainstream hollywoodiano. A temática gnóstica abandona o campo do cinema alternativo de público elitizado para atingir as massas através do cinema comercial. Ao contrário do passado, os temas gnósticos estão presentes em filmes com produções de bom orçamento, atores celebrizados pelas mídias de massa e enquadrados dentro de gêneros fixos tradicionais.

Basicamente são a partir de quatro mitos básicos que o cinema vem explorando o Gnosticismo:

1.   O Mito do Demiurgo

Dark City, 1998

A Criação, o Mundo ou a própria realidade é controlada por uma divindade inferior e os seus agentes. Esses anjos (ou arcontes) lançaram um véu de ilusão, ignorância ou desespero existencial sobre aqueles que procuram dominar (e às vezes se alimentam). No gnosticismo clássico, o caráter do Deus do Antigo Testamento era um modelo preferido para o vilão extramundano. Ele é muitas vezes referido como o Demiurgo.

No cinema, o Demiurgo não tem necessariamente de ser um antagonista do divino, mas pode assumir a forma de qualquer entidade opressora incluindo ETs , tecnologias opressoras e até mesmo as instituições humanas. Tudo se resume a questão do controle humano versus a liberdade humana. Esse mito inflama a questão sobre o que é real e o que é falso em intrincados níveis ontológicos (ou dimensões).

Alguns exemplos:



Êxodo: Deuses e Reis (2014) e Noé (2014) – Deus do Velho Testamento como um Demiurgo


Prometheus (2012) ou Dark City (1998) – Demiurgos como raças avançadas de seres alienígenas que transformaram os humanos em experimentos científicos.


Mais Estranho Que a Ficção (2006) – o Demiurgo é um escritor que manipula de diversas formas uma narrativa literária tentando matar o protagonista.


Show de Truman (1998), EDtv (1999) ou Mad City (1997) – o Demiurgo pode ser um produtor de um reality show, um repórter manipulador ou a própria grande mídia que explora a espontaneidade e simplicidade do protagonista.


Uma Aventura Lego (2014) – o Demiurgo é o pai de um menino que disputa o filho o controle do destino de uma cidade construída em blocos de Lego


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2. O mito da alma decaída.

Earthling, 2010

A ideia de que a semente divina, proveniente de um lugar chamado Pleroma (ou Plenitude) tenha caído em um mundo estranho. Este esperma-luz, a matéria prima da auto-realização, reside dentro de cada mortal, também conhecida como “centelha-divina”. É exatamente pela qual que as criaturas espirituais do Demiurgo anseiam ou querem corromper. Descansando no sono ou estupor, a jornada épica começa verdadeiramente quando um mortal descobre ou é escolhido para realizar o seu potencial transcendental. Uma guerra de libertação tende a entrar em erupção.

Normalmente envolve uma agitação do protagonista durante a vigília por algum poder latente ou um presente que o obrigue a cumprir um destino heróico. Este mito provoca a pergunta do que é ser consciente e os níveis de consciência que o ser humano pode chegar.

Abaixo, alguns exemplos:



Earthling (2010) ou ET (1982) – Aliens caem na Terra e vivem uma situaçãoo de ameaça e estranhamento. Filmes que são uma metáfora da gnóstica condição humana


Sense8 (2015) – Humanos com sensibilidade especial (os sensates) despertam de suas vidas ordinárias para o chamado de luta contra um Demiurgo – uma agência quase governamental especializada em manipulações genéticas.


O Destino de Júpiter (2015) – uma humilde empregada recebe o chamado da Plenitude. Os mitos gnósticos da Criação, Queda e Ascensão representados de forma explícita em uma space opera.


O Homem Que Caiu na Terra (1976) - Thomas Jerome Newton é um alien humanóide que vem para a Terra em busca de água para seu planeta que está morrendo. Sua inteligência e revolucionárias invenções atrai corporações que tentam corrompê-lo.


Upside Down (2012) – Mescla de ficção científica com drama romântico que dá uma nova roupagem ao mito da Queda humana.


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3.   O Mito do Salvador


Pode assumir duas formas. O primeiro é que após o despertar para a sua constituição sobrenatural, o protagonista não deve apenas salvar aqueles ao redor dele dos poderes que criaram o regime ilusório, ele deve também divulgar o conhecimento (gnose) para os outros, para que possam compartilhar as mesmas liberdades ou descubram habilidades semelhantes.

A segunda forma é que uma figura salvadora precisa de outra figura salvadora, pois a relação de um hierofante para um neófito é central no Gnosticismo (a ocidental caricatura do professor sábio oriental ajudando o herói). Este mito acende a questão do significado do ser humano, e todos os seres humanos são verdadeiramente iguais, mesmo que alguns possuam maiores habilidades do que outros (um tema predominante nas HQs, óperas de ficção científica e até mesmo em séries de televisão, tais como a série Heroes).

Abaixo, alguns exemplos:



Matrix (1999) – Neo e Morpheus criam a clássica relação do mestre e do iniciado que será o Salvador.


Clube da Luta (1999) – A iniciação de um neófito a um Clube que mudará sua visão de mundo. Mais do que isso, o protagonista se torna o líder de um grupo que buscará algo politicamente muito maior.


Branded (2012) – Outro neófito, dessa vez no mundo da Publicidade, será iniciado no mundo da luta entre as marcas, descobrindo as forças ocultas que controlam o mundo.



4. O Mito do Feminino Divino

Matrix, 1999

No gnosticismo clássico, Sophia ocupa o centro do palco, simultaneamente, como ser caído e uma redentora da humanidade. Sua encarnação já assumiu várias formas, incluindo a Shekinah de Deus na Cabala, Maria Madalena no Cristianismo esotérico, e Gaia no neo-paganismo. Sylvia em O Show de Truman e Trinity em Matrix são duas das mais famosas nos domínios da Ficção Científica e da Fantasia.

A encarnação pode ser o protagonista, o professor do protagonista, e toda uma gama de variações. Ela resgata ou é resgatada, ou ambos, nas batalhas contra os agentes da opressão e da quebra da realidade falsa. É difícil negar a obsessão das Anime com a confusão com o feminino e sexualidade em geral (que se afasta ou, talvez, complementa a atitude gnóstica da desconfiança em relação ao sexo). Isso agrava a questão dos diferentes níveis de amor, amizade e individualidade no que poderia parecer um universo frio e indiferente.

Veja alguns exemplos:



WALL-E (1999) – Sophia é encarnada em um robô chamado EVA com design high tech que vêm à Terra devastada buscar sinais de vida e encontra um nostálgico robozinho que empilha lixo e tenta resgatar fragmentos de uma civilização que desapareceu.


Dead Man (1995) – A personagem Theo, a prostituta, tem um papel decisivo no início da jornada espiritual do protagonista. Ela é Sophia, prisioneira do Demiurgo que domina a cidade.


L’Imortelle (1963) – Filme francês precursor do mito de Sophia no cinema que eleva a mulher a um patamar metafísico revelando as formas ilusórias do mundo ao protagonista.


Vanilla Sky (2001) – Aqui Sophia está explícita. Penélope Cruz faz a própria personagem exorta o protagonista David Aymes a despertar do interior de um “sonho lúcido”, na verdade uma simulação tecnológica da realidade.

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